100nada

O desaparecimento da última criatura de uma espécie agora extinta

O desaparecimento da última criatura de uma espécie que fica agora extinta causa, evidentemente, tristeza. Não me interessa muito se em vida era bom ou mau, se o facto de ser coerente tem mérito ou não. Talvez não tivesse alternativa senão agarrar-se à memória do Plioceno que ia desaparecendo, talvez fosse da sua natureza sobreviver durante algum tempo a par com as espécies novas, mais ou menos predadoras, que lhe tomavam o lugar. Talvez o mundo respire de alívio ou de indiferença (pois já não fazia diferença) ou nem sequer tenha reparado que desapareceu a última criatura de uma espécie que fica agora extinta. Pode gostar-se ou não se gostar. Mas que me causa tristeza, nem que seja numa perspectiva meramente evolutiva, com a inevitável extinção das espécies que já não têm lugar, causa.

(não se amofinem os comunistas com o meu texto. é de memória apenas)



À procura de uma imagem

e ocorreu-me esta. Uma coisa agora tão inútil, mas que sempre existiu em abundância lá em casa. Não sei porquê, mas saltam-me recordações de todos os lados, as canetas (guardavam-se as secas, nunca percebi a razão), as cargas, a tinta, a palavra em si, para mim sempre sinónimo de mistério: esse de quem lhe pega (numa rotring) e transforma riscos em coisas. As minhas irmãs e esse inexplicável e maravilhoso dom, o do risco.

Parabéns, mana Fi. (não, não te vou oferecer rotrings…:))


O sentido literal

Cansa-me, esse sentido literal das coisas, das palavras. Cansa-me. Cansa-me a ausência de esforço. Cansa-me quem se ri sem entender a piada (mas riem-se; será um entendimento intuitivo? estende-se a tudo?)

(vou apagar mais umas dezenas de spam trackbacks enquanto penso nisto)


Hiper-realismo

– Morreu o Vasco Gonçalves.
– Quem?
– O Vasco Gonçalves.
– Ainda era vivo?
– Parece que sim.
– Ah…coitado…

– Morreu o Álvaro Cunhal.
– Como? Não era o Vasco Gonçalves?
– Era. Mas também o Álvaro Cunhal.
– Bolas!
– E o Eugénio de Andrade.
– Tás a gozar.
– Não tou não.
– Também ainda era vivo?
– Pois era.
– Todos assim ao mesmo tempo?
– Vê lá tu.
– Bolas…que fim de semana. E o arrastão e tudo…
– E as noivas…
– A mais gira era muda, viste?

(ninguém tem diálogos assim, pois não? Não, claro que não.)


Registo

Morreram umas pessoas. Não me é indiferente, mas não tenho mais nada a acrescentar a tudo o que já se escreveu.

Arrastão em Carcavelos. Não há informadores na polícia.

Não havia falcões ali antes. Mas com os incêndios na zona de Leiria foram subindo pelo país acima atrás dos outros pássaros.

Nunca tinha visto tantas andorinhas na vida, assim perto.

Basta um só: post, cigarro, copo, o que fôr.
Blog alimentado por vício e encolher de ombros, nada mais.


Blog de férias?

Pergunta a L. enquanto atravessamos a rua a caminho da esplanada onde vamos almoçar (a L. é leitora calada; se precisar de dizer alguma coisa telefona ou vamos almoçar: ou as duas coisas).
– Pois é. De férias. Fechei a coisa antes de ir de fim de semana, voltei. Não me apetece, estou farta. Apetece-me dizer coisas, não me apetece escrever coisas.

Não me apetece escrever nem coisas nem outras.
Não me apetece blogs.
Não me apetece.
Acontece.


24

Em (menos de) 24 horas, o correr dos dias é afastado como se não existisse e tudo o que importa é a falha dos momentos. Como se não existisse senão a obrigação de se ser perfeito.



Falando para as paredes

O masculino de escritora light, qual é? Estou aqui com esta dúvida, tem-me dado que pensar nestes últimos tempos em que leio muitas vezes a expressão

escritora light

e a rapaziada, não escreve em light mode? Não? Que estranho…quem terá inventado a expressão? (pergunto eu à minha curiosidade)