100nada

Turbanões reloaded

Já os oiço nas paredes. Nem sequer tenho a certeza que estejam dentro dos fios eléctricos, tal é o ruído do esforço que fazem, para manter o silêncio. Vêm com fúria pela ausência prolongada, por encontrarem fios cortados e buracos tapados. Imagino-os nas esquinas, armados até aos dentes, com os capacetes e óculos especiais de visão nocturna, tudo em verde ou roxo como nos filmes, naqueles sinais com os dedos, um, dois, cinco, vocês por ali, nós por aqui, dividem-se e multiplicam-se, ganham mais uma passagem por um fio. Pés de algodão (porque está calor e as botas de lã fazem mais atrito) mas oiço-os à mesma, já os conheço, quase adivinho a parede onde estão, é apenas uma questão de tempo, embora saiba que, quando atacarem, haverá sempre uma sombra de mim que dirá olha! Não era bem naquele fio, era noutro.
Só os oiço, ainda não os vejo ao canto do olho depois de os fechar com força. Já pensei instalar na córnea um star rover para perceber exactamente de onde vão aparecer mas, por qualquer razão, o meu cérebro não apanha o wifi de casa e sem gps nada feito. Temo que os capacetes dos turbanões tenham um sistema mais sofisticado e captem as minhas ondas nos últimos microsegundos antes de os ver. A ser o caso, não tenho grandes hipóteses a não ser escrever um fio de terra que os conduza a outra parede e esperar que o truque resulte.

Claro, tenho comigo uma arma de destruição maciça que eles acham sempre que não vou usar (também me conhecem muito bem):
Posso desinventá-los a qualquer momento.

Embora me custasse, óbvio.


Coentroterapia

Escrevi um post mental sobre as eleições europeias, furioso e carregado de caralhadas vernáculo. Mas depois tive que me lembrar do que estava na lista do supermercado que tinha ficado em casa e, mais tarde, acabei a arranjar os coentros que tinha comprado, actividade que é, para mim, pura abstracção de tudo o que me fode aborrece.

Isto está bom para formar partidos estúpidos. Arriscam-se a ganhar eleições e substituir os estúpidos dos partidos que lá estão ou querem estar.


Quase verão

Não escrevo nada porque é fim de semana e não me apetece. Oiço a rega, os cães, visto um casaco porque é quase verão mas ainda não é bem e está frio. Ignoro o mundo, as notícias, hoje não quero saber.
Estou zen. Chega.


Em pontas dos dedos

(fazemos de conta que foi por ter pintado as unhas)
Tinha o iPod no bolso, mas não usei, não fazia sentido com o mar ao lado.

Há coisas que viram uma pessoa do avesso. Chapadões. Dos que tiram o ar e, quando se volta a conseguir respirar, estamos debaixo de água.


No semáforo vermelho

Não vejo nada, estou entretida com o Waze, sou quase ninja.

No passeio está uma rapariga parada a olhar para cima. Enquanto toda a gente se apressa, antes que volte a chover, antes que o semáforo feche para os peões, está ela, imóvel onde não é suposto estar parado, até a empatar um bocado, sem querer saber, a olhar para o céu.

Eu conheço esta rapariga, vive numa zona protegida e faz o que lhe apetece, desde que seja no seu próprio mundo. Nesse sítio pode olhar para o céu durante horas sem chatear, sem sequer se dar por ela, fica a ver aviões de papel; também ela conhece uma zona protegida onde voam aviões de papel e os aviões de papel sonham ser a jacto e fazer acrobacias tão perigosas que consigam quase assustar as pessoas que estão a assistir, tal como a rapariga no passeio a olhar para o céu

(mas sem se assustar, não é bem uma pessoa, é só um vago pensamento)

enquanto eu estou a contar os quilómetros que me faltam para ser ninja no Waze.


Tropeçando nos limites estabelecidos

Não gosto da escrita em velocidades de cruzeiro e médias sensatas. Não gosto, mas tenho que gramar com isso, faz parte, é daquelas merdas que se tem que passar por elas até passarem por nós, não há forma de se lhes escapar.

Só há qualidade (relativa, evidente, mas estou-me nas tintas para a dos outros agora) se não (como agora mesmo) existirem hesitações, se for (não só hesitando mas voltando atrás, largando teclas, agarrando uma mão na outra, uma merda tudo isto) se for como não está a ser agora, se for corrida, seguida, fluida. Não tem nada a ver com todos os acertos depois, isso é a parte da pintura metalizada, esta é a parte de bater a chapa. E eu ainda estou na fase de tentar reconhecer qual é a forma que quero a chapa e

(não estou a acertar muito bem, mas insisto)

O que mais irrita é que nunca passei por isto, ou não me lembro, era saírem-me da frente e que se lixe o resto. Agora medindo, pesando, escrita em bimby com os gramas, os segundos e as temperaturas todos contadinhos, no fim sabe tudo a cozido em água com pouco sal. E uma pessoa fodida e mais uma fúria que não leva a nada senão a outro draft esquecido

(mas fúria é bom, é o caminho certo, é só canalizá-la)

Só há qualidade (mínima) com entrega, abandono, só dá realmente gozo quando se escreve apaixonadamente. Até lá é tropeçar nas letras e fazer a merda da estrada até conseguir desligar o cruise control e esquecer a existência de radares. Andei tanto tempo a tecer considerações sobre o caminho das pedras e o caralho, sempre em textos supersónicos, agora vou de trotineta e chinelas a bater com os pés nos calhaus. É bem feita.



Selfie comigo mesma

Em certas coisas
(em certas coisas? Só algumas?!)
as minhas convicções, não, não é bem, também não é ideias, interpretações talvez
(decide-te caneco! Afinal é o quê?)
são um bocado cravadas na pedra
(ego, é o que é e manias)
e quando alguém me diz alguma coisa que me altera essa forma de ver
(que te contraria, portanto)
que me deixa a pensar
(um bocado fodida, confessa lá)
Não é nada fodida! Assim não há condições para escrever posts!
(temos pena.)

[meti a alter ega em parenteses]
(mas é igual, estou cá à mesma)


Dobras nos cantos das páginas

O helicóptero às voltas. Vi um filme e lá estava a clássica cena das evacuacões com helis, dá sempre uma fotografia fixe, the end is night, como nos cartazes que carrega um tipo que se vai cruzando com os anti heróis do Alan Moore. Não me lembro se tinha também helicópteros, mas havia barcos de piratas, uma história dentro de outra história, como são quase todas, círculos concêntricos
(o helicóptero às voltas)
embora eu prefira espirais e labirintos; dão mais pica.


Semáforo de uma cor qualquer

Começam a cair gotas e concluo que alguém resolveu lavar o pó do vidro, mas depois caem no lado aberto da janela. Meia dúzia de gotas, uma chuva entre dois semáforos e desconfio que foi só para mim, porque não vejo mais ninguém estender o braço, a mão, para confirmar que se trata realmente de um aguaceiro momentâneo, quase secreto. Pára antes que confirme, evapora-se e penso será que sonhei? A palma da mão seca, esticada do lado de fora da janela, ainda fico sem braço, esta mania de fazer o filme de horror, agora passa uma moto a abrir e arranca-me um pedaço até ao cotovelo, fico aqui a olhar para o resto sem acreditar, como se fossem gotas de chuva, lascas de osso e outras sobras, uma mão de unhas azuis a menos e nem as pintei de fresco nem nada.

Não vejo o semáforo, tenho uma betoneira à frente, chateia-me ter coisas altas à frente e não ver nada, estou a lançar granadas mentais a ver se explode, isso do poder do cérebro que lá está em potencial, dezenas de pontos percentuais não usados, nada, nem uma merda de uma betoneira consegue arrancar da frente, nem uma mísera onda septimus, qualquer coisa que me permita ver a porra do semáforo e nisto esqueço-me e passo sem saber de que cor é

e daí que não há cor no semáforo de hoje.