O risco de pisar a linha
(é preciso isolamento e insonorização mental e é isso que eu estou a fazer)
E é preciso também que, contra toda a racionalidade, contra toda a contenção, contra todas as ruas de sentidos únicos que parecem terminar em paredes altas sem portas, uma vez, uma vez de vez em quando, uma única que seja, se abram asas e se largue tudo isso e se siga o que diz o instinto, a alma, o desejo, seja o que for que nos aponta uma direcção. Que se voe como as traças à volta das lâmpadas, contra as paredes, à procura de saída. É preciso quebrar as antenas enterradas nas sinapses, espetar palitos nos olhos e voar às cegas, deslumbrados que estejamos, a rasar muros, a fazer tangentes e piruetas no ar. É preciso arrancar os pés do chão, cortar amarras e não olhar para lado nenhum (com os palitos a saltarem das órbitas e o vidro moído a corroer a garganta), é preciso perder o norte e os outros pontos cardeais, é preciso mesmo não se saber, perdermo-nos antes de tudo, é preciso (percebem?) ficar sem nada. Sem nada é exactamente isso, é o vazio total, o mergulho no fundo, o despojamento absoluto. É retirar tudo o que é excedente, os pesos e as medidas, pisar as algas do fundo sem retirar as plantas dos pés sem ter medo das cobras de água e dos lagartos, é arriscar ser-se atirado contra as paredes e desfeito em segundos e, ainda assim, achar que vale a pena.
- Tudo ao ar
- a 5ª frase da página 161
Pingback: Raquel Valentim
Cat, está muito bem escrito, como é de resto teu hábito. Dito isto, tem cuidado. Não adianta NADA, mesmo NADA, ir de encontro às paredes e ficar repetidamente desfeito em segundos, minutos, horas, dias, meses, anos.
Não adianta NADA, ouve bem. Os pesos descartáveis devem ser descartados, por definição, e nós devemos, por uma vez, fazê-lo com cuidado. Contra toda a racionalidade, o que em nós quer dizer contra a emotividade temperada com umas quantas frases lógicas para disfarçar 😉
Pois 😉
De resto, eu sei. Been there, done that, como sabes. Essa *outra* cegueira, não. Um beijo, Ana, e obrigada.
20 v , pq ñ há mais! Parabéns
A nossa vida é o que quisermos fazer dela, mas a liberdade tem normalmente um custo (muito) elevado associado, como bem sabes, e vôos às cegas… enfim, o mal que fazem pelo bem que sabem [deixa-te de merdas!].
Desapareceste do FB?
Logo agora que a coisa está tão parecida com o teu querido twitter?