100nada

Conto de Natal (4)

Mas, perguntarão os leitores (ou não perguntam, mas eu estou-me nas tintas, que na literatura abundam estas figuras de estilo), qual a razão de tanto interesse de uma Abenticalli de Souza num menino pobrezinho, filho de uma Lurdes qualquer? Ela (Lurdes) nunca se questionara acerca disso, ingénua que era, acreditando sempre que o mundo era feito de bondade, sacrifício e corações doces, recheados de caramelo e amêndoas. Mas a verdade, ah a verdade, meus amigos, essa nuvem negra e tenebrosa, que Lurdes desconhece ainda, ireis vós de imediato saber!

Maria Genoveva Abenticalli de Souza, senhora de uma fortuna considerável e de uma cabeleira luxuriante (primorosamente escovada todas as noites, pela criada de dentro, e que saudades de Lurdes e das suas mãos de fada…) apresentava um passado sem mácula. Educada nas Irmãs de Santa Cunegundes, aprendera receitas conventuais e, demonstrando uma aptidão fora do comum para línguas, fora também instruída nesse sentido, tendo as irmãs inclusive contactado os conventos da ordem noutros países, para um intercâmbio de alunas.

Genoveva partira assim para o estrangeiro, de onde voltou dois anos mais tarde. No seu regresso, todo o convento comentara o perfeito domínio que agora demonstrava não só da sua mas igualmente de outras línguas. Concluiu-se que aquela forma de educação lhe alargara os horizontes (e também ligeiramente as ancas, provavelmente devido à cozinha local dos sítios onde estivera).

Satisfeitas, as irmãs consideraram que Genoveva estava pronta para deixar o convento, de onde saiu, directa para um glorioso debute, a que se seguiu um prolongado noivado com o Conde de Abenticalli, uma vez que este não queria ofender os filhos e os netos com um casamento ainda dentro do período de luto pela anterior Condessa, vítima de uma fatalidade da caça ao javali.
Pelo Natal (não esqueçamos que se trata de um Conto de Natal), Genoveva acordou, um dia, com um ramo de flores de laranjeira ao lado, aquele que horas mais tarde haveria de carregar até ao altar onde a esperava o feliz Conde. A felicidade dos noivos foi intensa mas curta: nessa fatídica noite de núpcias o débil coração do Conde não aguentou tanto empenho…e Genoveva acordou viúva.

(à suivre)