Conto de Natal (3)
Seria realmente feliz, a mãe do menino pobrezinho, aquela Lurdes que dez anos antes, num dia quente de Verão, tinha regressado à aldeia, para passar uns dias com a família? Tudo lhe tinha parecido tão bonito! As casas de pedra, as árvores carregadas de maçãs, o céu muito azul, o cheiro da terra, tão diferente do cheiro a restos de bacios despejados pelas janelas nas ruas de Lisboa…mas nada se comparava ao brilho do olhar de um rapaz alto, que a tinha convidado para dançar na Festa de Nossa Senhora dos Prazeres, a ela, Lurdes, com o seu vestido de riscas, costurado à noite no quarto, depois de fechadas as portadas da casa de Lisboa e escovado cem vezes o cabelo da senhora, roubando as horas ao sono e seguindo um figurino moderno, com o tecido que lhe tinha custado vários meses de poupança…queria ser bela, Lurdes, e porque não? Toda a noite dançou com aquele Ernesto, sem ouvir os
comentários das velhas, e ao amanhecer ele prometeu-lhe o mundo e ela,
abrindo o coração, deu-lhe todas as esperanças que podia dar. No Verão tinha regressado à aldeia para férias, menina loira e solteira, no Natal já lá vivia, mulher casada, costurando à noite, desfeito o vestido de riscas em cueiros e lençóis, o sabor dos chocolates esquecido no sorriso de esperanças para a Páscoa.
Em Lisboa, D. Maria Genoveva Abenticalli de Souza, uma senhora sensata que não queria perder a criatura que melhor a sabia pentear, pensara, se esse Ernesto sabe de couves não lhe deve ser difícil tratar das rosas. Tinha prometido ser a madrinha, se o feliz casal se mudasse para a casinha do fundo do jardim e o Ernesto entretanto aprendesse a guiar. Mas o Ernesto declinara a proposta, decidido que estava a produzir couves cada vez maiores, para um dia poder realizar o sonho de ser o feliz contemplado com o Primeiro Prémio da Excelência da Couve na Feira Agrícola mais importante da região. E nos sonhos mais impossíveis via-se até a ganhar o Prémio Couve de Portugal. O que não via era qualquer futuro nas rosas.
A promessa de amadrinhar a vindoura esperança de uma Lurdes (um pouco chorosa com esta decisão do marido), não deixou de se cumprir, mas com uma condição: a criança teria de ir para Lisboa, para ser criada condignamente com a condição de afilhado de uma Abenticalli de Souza. Até lá, receberia apenas a benção da madrinha, o que, na opinião sensata de D. Genoveva, só ajudaria: quantas mais privações passasse a infeliz criança, mais cedo iria para junto dela.
(à suivre)
- Conto de Natal (2)
- Conto de Natal (4)