Um gajo como eu, na realidade não é um gajo como nós, pois tá claro. Eu sou uma rapariga. Mas deixando essa parte de lado, um gajo como eu, um gajo como nós, tem que andar fino. Não andando, tem que se por fino. Não andando, tem que se sentar num muro com outro gajo e conversar sobre ela, essa criatura tão alien para os dois e dizer-lhe (embora ela tape os ouvidos para não ouvir) que, infelizmente, temos pena, mas também ela vai ter que se por fina. Pois, todos sabemos que não é simples, ela é gaja incompreensível para qualquer um dos dois, talvez até mais para o gajo que está mais perto dela, 24/24, esse tipo que calhou ir viver para a cabeça dela, abancar e basicamente tomar conta da loja a ver se não se partem os vidrinhos e demais coisas frágeis periclitantes.
Um gajo como eu, que vive na cabeça de uma doida varrida (são todas, uns dias mais que outros) ou toma conta e controla o que ali se passa, ou tá absolutamente fodido e ela também. E não, não é machismo, não é por ele ser gajo e ela gaja, é escolha dela ou então nem isso. Um gajo como eu que tem amigos desde cedo a baterem-lhe nas costas porque é um gajo porreiro e amigas a queixarem-se que tem um computador do pescoço para cima não faz escolhas, é assim. É o lado com que se consegue viver.
Um gajo como eu é mulher até ao tutano, desde os abraços apertados a ouvir a respiração quase adormecida de um coração ainda pequeno a bater ali agarrado até às gargalhadas que dá com as amigas, desde os ais por tipos de barba por fazer e camisola de alças até aos quilos de colares, batons e vestidos que vai acumulando, desde os tachos até à secção de coisas de automóvel do Corte Inglês (ok, até à secção de perfumes).
Para lá do tutano está um gajo como eu. Um gajo que arreda coisas da frente. Arreda, sairem-me da frente que me baralham o sistema. Ou a ela. Aos dois, ainda por cima aos estalos, ela nos “mas, mas, mas” e ele nos “não sejas parva, põe-te fina”.
Uma pessoa como eu, põe-se fina mesmo. Nem que seja ao tabefe a si mesma.
[embora às vezes seja preciso sentar-se num muro com outro gajo, que o ajuda a por-se fino]