Elefantes e outros pássaros
Deixei lá atrás um elefante a morrer. Não é que não me lembre dele, mas deixei-o a morrer e era suposto que morresse ali. Deveria seguir os outros, ou os ratos na jangada, mas aquele elefante ali, enerva-me. Não morre nem sai de cima, por assim dizer, que no fundo a esta hora já os outros todos caíram ao mar – não sabemos – de exaustão e aquele estava como queria, tirando a parte de não ter pista suficiente para levantar voo.
Não me apetece deixá-lo ali assim, sem mais palavras, abandonado por todos (tinha que ser, mas não deixa de ser um facto) incluindo pela autora. Acho que um elefante voador, que arranca da segunda circular numa noite de memorável jantar, merece melhor sorte. E depois, acaba por ser o (meu) elefante favorito, o que se decide sem reflectir, o que é um bocadito tonto e que manda tudo à merda quando estão ali a passar-lhe a mão pelo pelo. Eu gosto daquele elefante, é meu, os outros também, mas os outros são outros e, de qualquer forma, se não tiverem sobraçado (não sabemos), estão na deles, um tudo nada chorosos pela perda do amigo (os elefantes fazem muita fita, são muito piores que os crocodilos, mas disfarçam melhor com a dignidade e sempre podem arrancar uma árvore ou duas para se fazerem entender que não se passa nada) mas todos juntos. Que coisa, aquele é o meu elefante de estimação! e ali sem o escrever, durante tanto tempo.
A verdade é que não sei o que dizer dele ou como. Dele, que vê o nascer do sol e depois o final do dia, que se deita de costas e olha para as estrelas a inventar nomes pois nunca chegou à parte da astronavegação nas aulas dos elefantes mais velhos. Que bebe água durante o dia, aquela água culpada da sua solidão, sem ressentimento ou culpa, porque a sobrevivência é mais forte. Ficar-lhe-ia bem (e para efeitos literários dramáticos ainda melhor) que decidisse morrer de sede, mas isso seria estúpido e ainda não tem idade para se preocupar com a coerência da solidariedade entre pares, deixando-se morrer de sede já que os outros, muito provavelmente, estarão agora em carcaça, agarrados ao fundo do mar. Vai bebendo água e come folhas, há por ali suficientes que durem uns largos meses entre textos sobre ele. Isto é dele. Acaba por ser simples, afinal, escrever dele.
Como. É esse “como” que não sei, que me escapa. Como é que são esses dias, o que vai na cabeça dele, o que imagina, com o que sonha, o que diz aos peixes. Tenho uma vaga ideia que tem dias alegres e felizes. A solidão é uma coisa leve, contrariamente ao que se pensa. Tem um lado de reflexão e de alheamento. Há espaço para seguir uma onda até ao fim do horizonte, um grão de areia que rola com o vento. Há tempo até para, não havendo mais que fazer, contar até ao número maior que se conseguir sem distracções. Imagino só, vagamente. Talvez faça cálculos, talvez escreva na areia, como todos nós. Talvez adivinhe rotas, talvez sinta as ilhas seguintes, só pela observação dos movimentos do mar.
Talvez se tenha tornado um marinheiro. Ancorado, preso na sua ilha
mas
talvez consiga sair.
- As conas de Braga
- coisas curiosas
ja’ tinha saudades dos teus elefantes da segunda circular.
um dia destes dedico-me a sério a estes elefantes.
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