Por morrer um elefante
Deixei os elefantes a pairar aqui e os ratos a chegarem à ilha ali e talvez a história tivesse prosseguido como eventualmente pensei no fim do ano com uma pista feita de tábuas de jangada e elefantes e ratos a ultrapassarem dificuldades de comunicação e conseguirem voar juntos. Mas a vida não é assim, só as histórias e acho que vai morrer um elefante hoje. Tenho muita pena e agora, ainda antes de o escrever, poder-se-ia pensar que haveria ainda esperança e que passava mais um capítulo e outro e outro, com flashbacks e rewinds e a infância dos elefantes e os antecedentes dos ratos mas, por mais que um autor queira, quando um elefante está morto, tem que se respeitar essa morte e (d)escrevê-la da melhor forma possível, para que, ao menos (ao menos!) fique na memória de alguém que leia.
Deixei um elefante sem nome e sem nome agora fica, um elefante cansado mas feliz, por ter encontrado uma ilha com água depois de um voo que começou na segunda circular e depois passou a ponta de Sagres e seguiu sobre o mar, enquanto os amigos pairam sobre a ilha em lamentos fúnebres. É evidente que este elefante não está morto. Tem árvores e água e areia e mar. Uma paisagem magnífica e dizem que o pôr-do-sol é dos melhores. Nada que um elefante não aprecie, não é mal agradecido, podia ser só um calhau. Mas, tivesse sido um calhau e o elefante não se teria entregue sem pensar, não teria picado sobre a ilha sem saber se haveria espaço para levantar de novo, não é? Talvez não quisesse saber, nunca o saberemos, pois a história que conhecemos virá dos que eventualmente terão chegado a algum lado. Quando o deixar ali, quando os outros seguirem caminho, nunca mais se saberá nada daquele elefante.
(e os ratos foram levados para longe por uma súbita maré, ainda se conseguem ouvir daqui, “então não era Ahoy? era! então o que aconteceu afinal? e os elefantes vêm atrás de nós? Ah não. Então Ahoy para outra ilha, rapazes! Sem elefantes, vejam lá se conseguem melhor desta vez!” e talvez um dia apareçam noutro lado, a queimar mais pontes, mas isso fica para depois)
O elefante sem nome reconhece que a paisagem é magnífica e diz aos amigos “escusam de estar aí nessa cantoria, até porque as vossas vozes são péssimas e parece-me que já conseguiram assustar os ratos e tudo. Eu posso ser um elefante que se dá a devaneios e se atira para as coisas sem pensar, mas não nasci ontem; já percebi que não posso levantar voo, sim, escusam de olhar para mim com essas trombas!” e pensou, mas não disse “ao menos calaram-se”. Ficou a olhar para cima e os elefantes a pairarem com as orelhas quase imóveis todos virados para baixo. “Daqui a pouco queixam-se de caimbras nas orelhas e vai chover elefantes aqui na ilha” pensou (mas não disse também). “Vá desandem, do que é que estão à espera? De ficarem sem força nas orelhas? Eu fico bem, pelo menos vou beber umas litradas de água”, e arrependeu-se um bocadinho de ter dito a última parte, mas não podia deixá-los ir sem armar em mete-nojo uma vez que fosse. Irritados, iriam mais depressa, sem grandes despedidas lacrimosas e a verdade é que a sua coragem começava a escassear e o sol quase a por-se.
Os elefantes voadores, que também não eram parvos (e realmente tinham ficado um tudo nada sentidos com aquela falta de consideração pela sua sede), voaram numa última roda. Felizmente não cantaram mais mas largaram um bramido conjunto tal que colocou a jangada dos ratos lá ao longe a andar, de repente, muito mais depressa. Depois fizeram uma fila e ficamos a vê-los a voar sobre o mar direitos ao sol que se está quase a por. Lá muito ao fundo ainda conseguimos ver uma jangada a virar subitamente para o sentido oposto ao do dos elefantes.
Depois, depois não sabemos mais. Não é uma morte rápida, será uma morte lenta. Mas de que serve a água e as árvores e a magnífica paisagem a um elefante que já não pode voar? Suspeita-se, mas só em rumores vagos, que tenha eventualmente decidido abrir um blog sob o nome de “The Flying Dutchelephant”. E que, às vezes, mas só às vezes, um brilho emane daquela ilha, nas noites mais sombrias de todas.
- templateando
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Moral da história: quando andares ao sol, leva um chapéu?? 😀
fim.
há em cada um de nós um cemitério de elefantes. cabe a cada um de nós torná-lo numa paisagem aprazível, se possivel cercada com exuberantes flores de imaginação tb. os teus elefantes têm ainda assim muita sorte em poderem morrer na tua ilha.
Nem sempre ficar pelo caminho é sinal de menos força nas orelhas, e nem que seja uma aparente desculpa a assemelhar-se ao mete-nojo que a autora refere pode ser o argumento necessário para mostrar ao bando que o caminho pode não ser por ali. E se for? Como diz a autora não é por morrer um elefante, pois não?
És a rainha da metáfora, melhér!
(gosto muito destas tuas histórias de ratos e elefantes… um dia ressuscitamos a Libéria!)
epá… ressuscitem a Libéria!
(estas histórias são do CAMANDRO – desculpai o grosseiro adjectivo).
Por acaso, a Libéria era um belo antistress, não era? 😉 Tenho saudades dela…(e da Soca também, mas eu nem disse isto…)
cat,
A Libéria é o MELHOR anti-stresss!
continua, por favor!
beijos
Já nem me lembro bem, lol. Tenho que ir lá buscar os capítulos anteriores, a ver qual era a ideia e onde ficámos. E atenção, que não sou só eu, ali a Sofia Vieira também tem que alinhar. 😀
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