100nada

A solidariedade, a caridade e o madreteresismo

É certo que uma constipação das grandes me pode estar a toldar o discernimento e, admito, a boa disposição. O que quer dizer que estou irritada e vou já avisando que este post não é daqueles simpatiquinhos. E já é um pau este aviso prévio, siga portanto a banda.

Há uma corrente moderna quanto à solidariedade, caridade, o que se quiser chamar, o apoio que cada um presta aos mais desfavorecidos e que consiste em algum bota-abaixismo do esforço (que é considerado nesses casos como um não-esforço, apenas um lavar de consciência) que cada um quer, pode, consegue, ou tem possibilidades de dar.

Eu sempre ouvi que ‘quem dá o que tem a mais não é obrigado’ e a vida como ela é não se presta a grande tempo para a caridade à moda antiga: longe vai o tempo (um pouco salazarista) em que cada família mais favorecida tinha o ‘seu pobrezinho’ que aparecia ao domingo para a sopa, o pão, a moeda e alguma roupa usada. Ou em que nessas mesmas famílias mais favorecidas, havia sempre um membro (feminino, normalmente) que passava parte do seu tempo a visitar os pobres (agora lembrei-me das histórias da Condessa de Ségur, há sempre umas visitas aos pobres nesses livros). Não é que esse esforço não seja meritório, é e muito. E quando me refiro a esse tipo de trabalho, refiro-me a muita outra coisa em regime de voluntariado, desde a venda do calendário ao peditório nacional, desde o apoio nos hospitais ao apoio à terceira idade em casa, já sem falar nas verdadeiras Madres Teresas e Abbês Pierres deste mundo: são uns verdadeiros heróis.

Mas nem todos somos ou podemos ser assim, nem todos temos tempo e disponibilidade. É um facto. E nem todos temos de nos sentir culpados pela miséria do mundo. Podemos sentir-nos muito mal com a injustiça e com as coisas horríveis, mas não me parece que me tenha de sentir culpada disso: não tenho culpa nenhuma. Não mando em nada, não trabalho em nada relacionado com a solidariedade social: posso pensar que contribuo com o meu esforço para o aumento da riqueza, o que também pode ser considerado válido numa perspectiva macro e global e, para além disso, um terço de tudo o que ganho vai para impostos, que são distribuídos bem ou mal, mas não sou eu quem decide isso. Ou seja: as ineficiências do sistema, muito culpadas da péssima distribuição dos bens, estão para além da minha capacidade de decisão.

Quando falamos de países pobres, de gente que morre à fome, também por vezes nos esquecemos dessa parte administrativa de distribuição de ajudas: muitas vezes não por uma questão de ineficiência, mas pela ganância de alguns que ficam com a riqueza em detrimento do povo dos seus países: mas isso está fora do âmbito deste texto e são outros quinhentos que ficam para outro dia.

O que aqui queria focar era o seguinte: esta corrente ideológica do bota-abaixismo em relação à pessoa que, não tendo disponibilidade ou até vontade (que diabo? e porque não? posso ter muita pena mas se calhar não me apetece ir para bairros degradados ajudar os pobres, caneco, e estou no meu direito, há pessoas que têm essa vocação eu, lamento e desculpa lá mundo pelo meu egoísmo de merda, mas não tenho) para dar o abraço, a mão amiga, o esforço com presença física, apenas passa o cheque ou carrega no botão do send, depois de preencher o formulário na internet no conforto do seu sofá. Que isto não é solidariedade e tal, é só lavar a consciência. Tá bem: então que seja. Lavo a minha consciência com o chequezinho passado no meu conforto. Mas

Mas
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quem recebe o produto do chequezinho que me lavou a consciência não precisa só de madreteresismo. Pois é, é que a parte lírica da caridadezinha é mesmo linda mas quem precisa, também precisa de comida, roupa, casa, escola, livros, saúde, vacinas, coisas que – por incrível que pareça – custam dinheiro e – ainda mais incrível! – é para isso que serve o tal chequezinho, o tal saldo na conta de solidariedade que parece que apenas servia para lavar consciências mas afinal também paga necessidades básicas.

Para acabar este texto que já vai longo, e para explicar que às vezes mais vale o dinheiro do chequezinho que depois é gerido por PROFISSIONAIS em vez de ir entregar o pacote do arroz a um sítio qualquer gerido por umas senhoras cheias de boa vontade e completamente ineficientes, fica aqui um exemplo:

Há uns 15 anos, inscrevi-me numa coisa que se chama Plan International. Se clicarem no link, percebem como funciona a coisa (provavelmente nos mesmos moldes em que foi ‘adoptada’ a Berta pelo Proximizade). Realmente não foi através do conforto da net, tive de pedir os papéis e mandá-los pelo correio, para me tornar ‘foster mother’ de um menino na Tailândia. Todos os meses era debitado algum dinheiro do meu cartão de crédito e servia para, em conjunto com o dinheiro dos outros ‘foster parents’ dos meninos daquela aldeia, construir algumas coisas para melhorar a vida da comunidade: não era dinheiro directo para aquela criança, mas sim para, por exemplo, uma das coisas que me lembro de vir nos relatórios semestrais que enviavam, comprar uns depósitos grandes para guardar a água da chuva, ou duas vacas para a aldeia inteira.
Se não fosse o chequezinho de uma data de pessoas que não podem dar muito, cada uma delas, mas que em conjunto possibilitam juntar fundos que melhorem a vida de uma comunidade muito pobre, não havia nada disto. Portanto eu vou lavando a minha consciência assim e quem quiser criticar, pois esteja à vontade. O que me interessa é que, com críticas ou sem críticas, ALGUÉM QUE PRECISA BENEFICIA.





Uma data de notas agora sem links que tou sem tempo

Ora bem.

1. Ando sem tempo e o tempo que tenho para estas andanças dedico-o à minha/nossa Sociedade Anónima, que o mulherio é posts atrás de posts e não páram! (aproveito para informar publicamente que, contrariamente ao que me tem sido assobiado ao ouvido, eu não sou aquelas gajas todas: tomara eu ter tempo para me coçar, quanto mais dar largas a uma tal de múltipla personalidade: como se o meu ego alguma vez deixasse morrar ao pé dele outra gaja…tá bem abelha! :DD)

2. Ando sem tempo para escrever um post que já deveria ter escrito ó tempo, sobre a mui louvável iniciativa do Paulo Querido, a Blogopédia, que está mesmo excelente e para agradecer também à pessoa que lá incluiu o meu nome, blog, primeiro post e mais coisas que tenho vindo a descobrir: se quiser e tiver paciência e achar que há interesse, acrescente lá depois do nome, um ‘economista’ e prontes, fica toda a gente a saber de uma vez por todas que a minha vidinha nem é letras nem é mais bolos: ele é mesmo mais rácios. Quem diria, poizé poizé…sou muita boa, muito multi -facetada, uma rapariga muito inteligente e prendada.

3. Ali sobre o Proximizade, informo os leitores que durante vários anos fui foster mother de um menino na Tailândia através da Plan Internacional. Não custa nada (apenas uns euros por mês) e sempre se ajuda alguém que precisa mais que nós. Façam o favor de contactar o Proximizade para saberem como é que estas coisas se processam. Eles não me encomendaram este discurso, mas achei que era uma informação relevante.

4. Não fechei este meu tasco e às vezes tenho uma imensa vontade de aqui debitar umas achraldas e afins, mas não me sobra tempo, como já disse antes. Estas coisas são mesmo assim e há muitas prioridades.

5. Ando a actualizar a lista ali da coluna da direita, mas dá-me tanta seca que acabo noutro dia. Entram uns novos, saem uns velhos, uns por desfastio, outros por me irritarem as pessoas que se penduram neste tasco e vão lendo, mas acham que é politicamente incorrecto fazer um link (por montanhas de razões, algumas bem merdosas).


Proximizade

Proximizade

Proximidade e mão amiga. “Proximizade”, feita do entusiasmo voluntário de quem quer ajudar a combater a apatia, a dispersão e a insensibilidade que nos ameaça se continuarmos indiferentes ao que se sabe e ao que se vê.
Aqui, já está a acontecer.


Pessoas que precisam, invisíveis. E pessoas que têm muito para dar, quando não desperdiçam. Tempo, motivação, consciência. E dinheiro, também.

Entre este binómio, uma via de comunicação. A blogosfera, internet no seu melhor quando o que se escreve e o que se lê tendem a conjugar-se no verbo aproximar.

Dois mundos nos antípodas, um vítima dos excessos e outro à míngua das suas migalhas. Gente com fome, crianças, que sobrevivem apenas para ganharem forças para fugir à miséria. Rumo ao lado de cá, que os recusa.

A caridade já não basta e é necessária intervenção. Amizade em estado puro, reunida por gente que bloga em torno de um objectivo comum: fomentar a generosidade como uma urgência e canalizá-la para as melhores mãos (as mais necessitadas).

Proximidade e mão amiga. Proximizade, feita do entusiasmo voluntário de quem quer ajudar a combater a apatia, a dispersão e a insensibilidade que nos ameaça se continuarmos indiferentes ao que sabe e ao que se vê. E ao que se deixa por sentir.

Nós sentimos assim. E acreditamos numa sociedade que quer sentir da mesma forma e intervir sem demora.

Aqui, já está a acontecer.




Curioso como funciona a memória

Quando fui a Beja, no Dia Mundial do Livro, para além do encontro de blogs, havia uma enorme programação cultural. Uma das coisas que mais me impressionou foi “Camões é um poeta rap”, produção do Arte Pública, maravilhosamente dio por Gisela Canamero. Nunca mais Camões foi o mesmo, ouvido naquela forma agressivamente gritada…não consigo descrever, só visto.

E hoje, ao ler um poema que a aNa me deixou, dei comigo a lê-lo assim, da mesma forma, tal e qual. É curioso como a memória funciona…mais ainda porque dessa forma, em rap, faz todo mas todo o sentido.