Todas as duas semanas compro a Visão, salto para a página certa e leio apressadamente a crónica de Lobo Antunes. Depois respiro e releio, mais devagar. Passo os olhos pelo resto da revista que, eventualmente, irá para o lixo com todas as páginas menos a que rasguei e juntei ao monte de crónicas que vou encontrando um pouco por toda a casa, entre papéis a guardar.
Não tenho a mais pequena paciência para os livros. Confesso. Já tentei várias vezes, mas o meu pequeno cérebro perde-se naquelas espirais todas e não há fio que me permita retomar a leitura no ponto em que a deixei. Quando me volto a atrever a atacar um dos livros, passo uma semana a ler todos os dias tudo do princípio. Nunca cheguei ao fim. Não sou uma intelectual.
Mas as Crónicas são sublimes. Sei que o escritor oficialmente as atira para o lado, apenas um ganha-pão escrito sobre a mesa da cozinha em meia hora. Tenho as minhas dúvidas. Mas também não me interessa as razões que o levam a escrever. O que me interessa é que as posso ler.
Se há escrita sem merdas e sem enfeites e sem paninhos com rendinhas é aquela, a das crónicas. Muitos dos vaidosos pseudo-intelectuais que conheço dizem: ‘coisa simples, escrever assim’. Mas não escrevem, pois não?…não conseguem? É que há uma qualidade de fluidez naquelas frases que é muito raro encontrar. O típico autor socumbe sempre à palavrinha mais complicada, ao detalhe explicativo, ao vidrinho colorido, talvez para colmatar a falta de conteúdo. O resultado fica à vista: o aborrecimento da leitura carregada de vazio ou de lugares comuns, salpicada de soluços linguísticos. Não tenho a mais pequena paciência (não sou intelectual).
E porque é que, lendo eu todas as semanas estas crónicas, me lembro hoje de escrever este post?
Porque
“Eu sou um sujeito simples que faz livros, um iletrado, quase. Leonardo da Vinci apresentava-se dessa forma:
– Leonardo, iletrado
e entendo tão bem o que queria dizer. António, iletrado, e metam o cinemas experimental japonês no cu.”
(‘Bom dia, senhor Antunes’ – Lobo Antunes, Visão 06.01.05)
E ao ler estas palavrinhas não me ocorre senão tirar-lhe o chapéu. É extraordinário como este homem consegue, nesta aparente simplicidade literária, ser tão excelentemente arrogante.
E não resisto (quem conseguiria?):
catarina, iletrada.