100nada

Oh no, not another puzzle post!

São só mil peças, poder-se-ia pensar que, esse tamanho, inferior ao costume, aliado ao detalhe do desenho, não seria dos mais complicados. Total engano: este é o mais difícil até agora. Estou em guerra aberta com ele há semanas. Bem sei que é uma guerra intermitente, de fins de semana e nem todos, mas embirrei com a coisa, nada a fazer. Vai-se fazendo, entre duas pessoas, mais ninguém tem paciência para este. Curiosamente o outro par de mãos não é adepto de anos de gosto por puzzles: passou a achar piada àquilo muito mais recentemente. E vai fazendo aos poucos. Eu desespero. Descobri porquê: o meu cérebro não regista o geométrico. Formas reconhecíveis, nuances vagas da mesma cor, tudo isso consigo entender. Isto não. O meu cérebro não faz cliques entre as peças. Não consigo ligar uma curva a outra curva que prossegue na peça seguinte. Só, muito pacientemente, cada peça reconhecê-la no desenho, colocá-la mais ou menos no sítio, pegar noutra, estendê-la contra o desenho, recomeçar outra vez. Uma seca, pode dizer-se e um bocado de raiva, que se há-de conseguir acabar, agora que se começou e já vai a meio, mas o prazer esvaído na persistência apenas.

Sou muito teimosa e o outro par de mãos também (tenho a quem sair).

Ontem à noite, como de costume, já tudo sossegado, crianças a dormir, sento-me à frente daquilo, num encolher de ombros. Está ali, há-de fazer-se, nem que seja só mais meia dúzia de peças. Mais tade, no último cigarro de frente para a lua sobre o choupal, hei-de lembrar-me de outra coisa: daqueles desenhos a três dimensões que, para se conseguirem ver bem, era aconselhado usar um vidro, quando não se conseguiam ver a olho nu. Eu, muito sem jeito para essas coisas, sempre de vidro em cima, a exclamar, que giro! que espanto! quando finalmente os elefantes e os flamingos ou as naves espaciais ficavam à frente e o resto mais atrás. E depois, um dia qualquer, os olhos ou outra coisa organizam-se de forma diferente e não é preciso vidro nenhum. Já não preciso de ajuda para ver os desenhos a três dimensões; vejo tudo perfeitamente bem. Pior: vejo tudo o resto a três dimensões. O mundo inteiro em 3D! Que coisa estranha a profundidade. (Hão-de fazer-me notar, ao ler isto, que o mundo é a três dimensões: pois é, responderei eu; mas quantas pessoas é que o vêem assim?)

Ontem, entre o momento em que encolhi os ombros e me preparei para mais umas horas de não consigo reconhecer a geometria desta porra e aquele tal último cigarro muito mais tarde, o meu cérebro ligou-se de outra maneira: as peças encaixaram todas, umas atrás das outras, seguidas, quase sem hesitações. Fiz mais puzzle que nos outros dias todos juntos. Não o acabei, claro, seria bonito dizer que sim, mas não; que também não é assim, a forma diferente de ver. Não é tudo de uma vez.
Mas para lá caminho.
Qualquer dia acabo aquele puzzle. E sabe Deus se entretanto vou começar a ver o mundo em forma geométrica. (era também bonito escrever dadaísta em vez de geométrica e demorava mais cinco minutos no google para poder armar ao pingarelho com propriedade: mas infelizmente tou pra saber que raio é dadaísta e não preciso de me armar em coisa nenhuma: até porque, frente a um puzzle, é que se vê quem tem unhas e quem não tem. )


Céu limpo mas muito nublado

Não eram nuvens, era fumo; de céu limpo para céu amarelo, depois céu escuro. Depois tudo a mudar para a faixa da esquerda, eu a ver se a criança dorme no banco de trás e não se assusta e, ao lado da faixa da direita, o fogo a comer as ervas e uns desgraçados da BT a tentarem apagar as chamas com uns panos.
Summer is upon us.



“quando vejo alguém derrotar o destino ainda que por breves momentos, regozijo-me como se isso se passasse comigo”

Também eu. I believe you can fly.


Repost

Gosto tanto deste posteco, que o vou meter aqui. É um email recebido pelo Niet Pavlov * (agora exilado em parte incerta) sobre a forma de aumentar a tiragem do seu blogueco.

“Exmo. Sr. Niet Pavlov

Serve a presente para informar V.Exa que o seu site na net, vulgo blog, dispõe de potencialidades de sucesso quase garantido se acatar com todas as minhas sugestões. Tenho transformado blogs de, perdoe-me a expressão e utilizando a sua língua-mãe, morga total, em sites de elevado gabarito e sucesso, de referência e reverência e milhares de visitas por dia. Informo-o, caríssimo e excelentíssimo Senhor Niet Pavlov, que alguns desses blogs não tinham, como é costumeiro dizer na nossa língua, ponta por onde se lhes pegasse quer na forma, quer no modelo, quer no conteúdo, quer na total falta de inteligência, sentido de humor, bom gosto, elegância, tudo! Amebas literárias, em suma.

Com a muito discreta ajuda dos nossos serviços de aconselhamento e assistência, no entanto, todos esses absolutos cretinos de morga se transformaram naquilo que são hoje: blogs do mais alto grau da blogaridade nacional, fazedores de opinões, líderes da intelectualidade do nosso país, com provas dadas na ajuda à formação do pensamento das massas, como vastíssimos seguidores desses modelos o comprovam. E V.Exa. pode ser um catalizador de uma nova revolução da inteligentsia deste país, bastando para essa finalidade, seguir os conselhos que aqui lhe envio.

1.Extremo cuidado na elaboração de lista de links:
– Blogs políticos de várias vertentes sempre indicando se se trata de direita, esquerda, liberalidade ou outro;
– Blogs de referência não-políticos de elevada intelectualidade;
– Blogs de referência femininos de elevada elegância e absoluta ausência de qualquer espírito pensante;
– Blogs de poesia muito maus mas inócuos e que tenham listas de links para os blogs de referência;
– Não fazer links para blogs polémicos não-aceites, blogs insignificantes, blogs que não respeitam o código de retribuição de links e outros blogs que não interessa saber que são lidos (pode sempre ir lê-los sem os ter nos links)

2. Estude as referências que forem feitas ao seu blog, através das máquinas apropriadas para isso; agradeça publicamente apenas aos blogs de referência (aos outros agradeça por email com uma desculpa de falta de tempo e muitas manifestações de apreço pelo blog em questão)

3. Coloque no seu blog um contador de visitas que permita visualizar de onde, para onde, a que horas, quem, como, quando, quanto – uma ferramenta excelente para espiolhar discretamente as visitas ao seu blog.

4. Insista por email com muitas manifestações de apreço que coloquem um link para o seu blog; em casos de manifesta reacção negativa, ameace que tirará o link desse blog da sua lista e que relatará em detalhe e publicamente as razões que o levam a retirar o link. Aponte o dedo como se fora uma pistola!

5. Deixe comentários inteligentes, criptícos e que causem curiosidade em todos os blogs que consiga. No seu caso não terá dificuldades em escrever uma das suas frases que causará um retribuir o clique (não se esqueça de colocar o link para o seu blog no comentário, de preferência em html, já que dá menos trabalho ao potencial curioso.

Outro tipo de aconselhamento mais especializado, responda a este email e ser-lhe-á enviado tabela de preços para os vários níveis de referências noutros blogs, na comunicação social escrita e para os escalões de número de visitantes pretendidos, bem como fórmulas de comunicação via email entre a nata da blogaridade do nosso país.

Surgut Yall Muter Landisk, Komrade!
Baita Carvogen!

J. Silva Net”

* uma personagem totalmente inventada, tal como o email. 😀


Desafio "A Voz em Fuga"

Desafia a Hipatia:

Digam-me para onde foge a vossa voz!

E aqui vai a minha humilde contribuição, que eu gosto muito destas coisas. :)

Foge-me a voz mesmo sem querer. É este problema que tenho “e quando não tens ninguém com quem falar, falas com o espelho?” e “já a sentei ao lado de todas e, mesmo com as mais caladinhas, passados dois dias estão a falar mais do que todas as outras” e isto logo nos tempos do jardim escola. Foge-me a voz para todos os lados, foge-me para grandes conversas, pontuadas por silêncios, cigarros, um copo que se vai enchendo, a luz da outra margem reflectida no rio ou um choupal ao fundo do relvado; foge-me para parvoeiras, ditas assim, de lado, com a ponta da boca, trau, gargalhada geral, este meu modo de descomplicar com uma graça, às vezes – vezes demais talvez – áspera, sarcástica; foge-me para a desconversa contínua que mantenho comigo mesma, a forma de me manter em perspectiva, o gozo que me vou fazendo, não sejas palerma rapariga, não sejas tão séria rapariga, não sejas tão dramática rapariga, não sejas tão final rapariga que tudo isto é um circo e hoje há palhaços e um deles és tu, não sejas assim mulher que sabes que no fim ainda te vais rir e é assim que se faz, um gajo se não se ri dele próprio está tramado, mas para isso precisa de se desconversar consigo mesmo; foge-me até para o chinelo, canasta no chão, mão na cinta, quando não o aviso de quem me conhece, ai que se lhe estão a abrir as narinas, fujam! E assim se me foge a voz para tudo o que depois me arrependo, ou não, ou não, a voz descabelada, gritada, rouca, cansada, a desconversa a tentar abrir caminho, deixa lá já viste a figura que estás a fazer? E o riso, depois do berro-desabafo, tudo cá para fora a limpar o sistema, seja a bem ou a mal, venham as consequências, sou assim, falo e grito demais, nada a fazer.

Foge-me a voz, mas foge menos. Falas menos agora, dizem-me, que o silêncio se aprende e é nele que se aprende a dobrar a língua. Foge menos também para lados mais etéreos: rio-me dela, dessa voz que foi minha um dia, a voz que se calhar se levou a sério. Guardo-a ainda, para algumas coisas das quais não me rio; o cinismo calou o resto e eu, não sei porquê (ou então por ter encontrado finalmente a minha verdadeira voz), sou feliz assim.


Posto, não posto…?

Pois é, rapaziada. Sim, vós, caríssimos leitores. Acabada de aterrar outra vez na realidade depois do final da maratona Jóia da Coroa, últimos 4 dos 14 episódios que consegui ver em 3 dias (ou noites, se preferirem a precisão) [Emiéle, exacto, saiu em DVD e eu não descansei enquanto não vi tudo e aqui sustenho que é a mellhor série da minha vida e depois de rever o Brideshead logo direi se esta decisão se mantém], acabada de aterrar na realidade depois de tudo aquilo (o último episódio, meu Deus, e aquela parte – no 12º? – em que se discute a moral superior ou cobarde e a Sarah diz que prefere essa última: que a moral superior é uma desculpa para as pessoas que não conseguem ver os dois lados das questões) fico aqui, a escrever (era capaz de escrever toda a noite mas escrever sobre uma coisa que as pessoas se lembram vagamente dos anos oitenta, era uma grande seca para o leitor e este post é para os caríssimo leitores) a engonhar em indecisão.

Tenho ali um post em draft sobre o EJM (Efeito João Miranda) na blogoesfera. Ou parte da dita, a qual até prezo bastante. Mas isso levar-me-ia a lados que não me apetece: a minha primeira regra e quase me esqueço dela quando me irrito com coisas que leio e que sinto que não foram devidamente pensadas (e não estou a falar do João Miranda!), NÃO SE DISCUTEM COISAS SÉRIAS NA BLOGOSFERA. NÃO VALE A PENA. Já à mesa de um café, entre amigos, sabe Deus, como às vezes é difícil tentar que vejam os tais dois lados das questões. Por escrito, quase impossível, leva tempo demais, enervamo-nos quando não conseguimos que nos entendam.

Mas pronto, vou tentar explicar em termos muito simples.

Um amigo vosso tem uma empresa. Qual dos meus leitores é que tem empresas ou amigos com empresas? Qual dos meus leitores é que nunca ouviu o amigo empresário queixar-se que tem que pagar o IVA à cabeça e receber a, sabe-se lá quando, mas no mínimo a 90 dias? Qual dos meus leitores é que nunca ouviu um amigo empresário queixar-se que os clientes não pagam? E que o pagamento do IVA estrangula a tesouraria da empresa? Qual dos meus leitores é que nunca ouviu falar de empresas que vão à falência por dívidas ao fisco que não conseguem suportar?E qual dos meus leitores é que nunca ouviu falar de empresas que vão à falência por dívidas a todos, incluindo fisco e segurança social, porque não recebem dos clientes? E quando o Estado é o maior cliente e não paga atempadamente? Essas pessoas são caloteiros? Assim sem mais nem quê? Aponta-se-lhes o dedo? Afixa-se o nome na porta da igreja, quando podem ter processos a correr, reestruturações de dívidas a correr, quando a culpa pode não ser deles?

Estou a defender os caloteiros? Não. Não estou. Mas não é justo sujar o nome das pessoas assim, sem saber porque é que não pagaram. Não é justo, não é decente. E, se fôr o vosso amigo, o vosso familiar, o vosso conhecido, que vocês conhecem a história da empresa e que sabem que é um tipo honesto e que deve ao fisco e não consegue pagar por dezenas de razões, acham bem que o nome dele seja publicado?

Digam-me só assim: sim ou não.

Desculpem lá. Por muito que me custe por causa do EJM*, desta vez o João Miranda tem razão.

* sim, decidi que meto o post em draft enquanto escrevia este. E não prometo conseguir discutir isto nos comentários.


O Efeito João Miranda

O EJM (Efeito João Miranda) é um problema para a blogoesfera: assim que ele escreve alguma coisa, um gajo sente-se logo tentado em discordar. Há anos que tento descortinar uma côdea que seja com a qual consiga concordar: é-me totalmente impossível. O rapaz não tem culpa e atá admito que não escreva bacoradas; mas a minha opinião seja lá no que fôr, consegue sempre ser exactamente a oposta.
Essa porra é um problema, porque cria hábitos. O João Miranda escreve qualquer coisa, um gajo já nem lê; só pode ser mais um dislate e quem sofre de EJM senta-se logo do outro lado da barricada. E quem diz senta-se, diz atira uns pedregulhos.

Pois eu, a contragosto, desta vez concordo com o João Miranda. Em parte, em parte. Mas no essencial, sim. As listas suckam. As listas são uma hipocrisia. As listas são uma medida popularucha para enganar o incauto que aponta logo o dedinho ao mau da fita, aquele não pagou! ah cabrão criminoso, que andas a viver à conta dos meus impostos! Quantos destes indignados terão declarado as suas sisazinhas, hum? Gostava eu de saber, mas adiante.

Eu sou conta a coisa. Só quem não percebe nada do que se passa no tecido empresarial deste país, em que centenas de empresas com dificuldades têm como maior cliente esse mesmo estado que agora se arma em credor choroso e afixador de listinhas e que não cumpre as suas obrigações é que engole este isco. Não é esta lista que eu quero ver. Eu quero é ver a lista de todas as empresas que faliram porque o seu maior cliente não pagou a tempo e horas. Mas essa, posso esperar sentada.



Esta coisa das listas

Lá fui eu cuscar a lista dos devedores. Cuscar é o termo. Fui cuscar, com todas as letras e aqui o confesso. Fui cuscar, à boa maneira portuguesa, como toda a gente deve ter ido: ora deixa cá ver se conheço alguém daqui. Para meu grande espanto, os nomes eram todos desconhecidos e as empresas mais pareciam boticas de esquina de Onde Judas Perdeu as Botas. Da esquina, aliás, que Onde Judas Perdeu as Botas terá talvez duas ruas (uma coisa é certa: os vizinhos conhecerão esta gente).

Tanta tinta a correr sobre a fuga aos impostos e afinal era isto? Esta meia dúzia de pessoas que nunca apareceram em qualquer jornal ou revista cor de rosa e mais umas quantas chafaricas? Então todos os outros, os milhões que faltavam, foram todos pagos antes da ameaça de ver o seu bom nome espetado na net, para cuscos como eu irem lá ver? E os erros, quem é que os desfaz depois? E quem é que vai ler erratas?

Este assunto cheira a imensa coisa, toda ela desagradável. Cheira a ameaça medieval com pozinhos de justiça popular, cheira a incompetência por parte de quem sabe quem são os devedores mas não consegue usar os meios legais aos dispor para recuperar essas dívidas, cheira a falta de confiança nesse sistema de recuperação de dívidas pelo próprio sistema em si. Cheira a precedentes que não sei se quero saber onde irão parar.

Cheira a bananas, esta república de palhaços.

(também não me apetece conversas sobre este assunto, ando com mau feitio)