100nada

Desafio "A Voz em Fuga"

Desafia a Hipatia:

Digam-me para onde foge a vossa voz!

E aqui vai a minha humilde contribuição, que eu gosto muito destas coisas. :)

Foge-me a voz mesmo sem querer. É este problema que tenho “e quando não tens ninguém com quem falar, falas com o espelho?” e “já a sentei ao lado de todas e, mesmo com as mais caladinhas, passados dois dias estão a falar mais do que todas as outras” e isto logo nos tempos do jardim escola. Foge-me a voz para todos os lados, foge-me para grandes conversas, pontuadas por silêncios, cigarros, um copo que se vai enchendo, a luz da outra margem reflectida no rio ou um choupal ao fundo do relvado; foge-me para parvoeiras, ditas assim, de lado, com a ponta da boca, trau, gargalhada geral, este meu modo de descomplicar com uma graça, às vezes – vezes demais talvez – áspera, sarcástica; foge-me para a desconversa contínua que mantenho comigo mesma, a forma de me manter em perspectiva, o gozo que me vou fazendo, não sejas palerma rapariga, não sejas tão séria rapariga, não sejas tão dramática rapariga, não sejas tão final rapariga que tudo isto é um circo e hoje há palhaços e um deles és tu, não sejas assim mulher que sabes que no fim ainda te vais rir e é assim que se faz, um gajo se não se ri dele próprio está tramado, mas para isso precisa de se desconversar consigo mesmo; foge-me até para o chinelo, canasta no chão, mão na cinta, quando não o aviso de quem me conhece, ai que se lhe estão a abrir as narinas, fujam! E assim se me foge a voz para tudo o que depois me arrependo, ou não, ou não, a voz descabelada, gritada, rouca, cansada, a desconversa a tentar abrir caminho, deixa lá já viste a figura que estás a fazer? E o riso, depois do berro-desabafo, tudo cá para fora a limpar o sistema, seja a bem ou a mal, venham as consequências, sou assim, falo e grito demais, nada a fazer.

Foge-me a voz, mas foge menos. Falas menos agora, dizem-me, que o silêncio se aprende e é nele que se aprende a dobrar a língua. Foge menos também para lados mais etéreos: rio-me dela, dessa voz que foi minha um dia, a voz que se calhar se levou a sério. Guardo-a ainda, para algumas coisas das quais não me rio; o cinismo calou o resto e eu, não sei porquê (ou então por ter encontrado finalmente a minha verdadeira voz), sou feliz assim.

0 thoughts on “Desafio "A Voz em Fuga"

  1. Hipatia

    “ou então por ter encontrado finalmente a minha verdadeira voz”

    Sabes o que é estranho? É que enquanto dizias para onde foge a tua voz eu lembrava-me de Gogol: “não é por culpa do espelho que tens uma cara errada”. É que podemos aprender a domar a voz fujona, deixá-la entre alguns espartilhos. Mas, no fundo, no fundo, já sabemos bem qual é a nossa cara – e qual é a nossa voz – para darmos apenas as explicações necessárias a nós mesmas. O resto que (quase) se dane! :)))

    (vais ser já compilada: prometo que não dói nada :) Obrigada, Cat)

  2. aNa

    :)))
    hoje andamos todas ao mesmo!
    o meu post das seis, no Ante & Post, também é a resposta à Hipatia!
    (e o que eu me diverti a escrevê-lo!!)
    beijos, loiraça!

  3. catarina

    Claro Hipatia. :)
    e não doeu nada. Obrigada, eu, que gosto sempre destas coisas dos desafios e, às vezes, um gajo precisa de um tema. :)

    aNa, já li, tá demais. :DDDD
    Beijos, lindaça!

  4. monalisa

    Estou aqui há dez minutos a olhar para este espaço em branco..porque não consigo comentar este texto que aqui escreveste..só ia conseguir escrever baboseiras e não lhe faria jus..Gostei muito,querida Catarina..acho que és tu.

  5. sandra

    gostava de te perguntar o que sentes quando tens à perna diariamente pessoas simples como eu, sandras e margaridas, carlos e franciscos, que adiam tarefas ou esquecem afazeres só para te ler, aqui.

  6. catarina

    Também o creio, Vanus. Pelo caminho da serenidade, direi eu.

    Sandra, eu também sou uma pessoa simples e também sei o que é adiar tarefas ou esquecer afazeres para ler coisas de autores de quem gosto muito. Deixa-me é sempre um bocado sem saber o que dizer quando é comigo. :)

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