Estamos no dia não sei quantos de 1997, é mais ou menos Primavera/Verão, devia ser nos feriados do 1 de Maio ou de Junho, porque isso tenho a certeza, era um fim de semana de ponte, numa quinta ou sexta feira.
Em casa estou eu, a minha irmã Fi, a minha mãe e o meu sobrinho, com na altura 3 anos, que a minha outra irmã e o meu cunhado tinham aproveitado estar cá a minha mãe para deixar lá o B. a dormir. Estava também o gato.
Aí ao meio dia, estou sentada no meu lugar favorito no sofá da sala, em roupão, com os meus jornais e revistas, a tomar montes de cafézinhos e a fumar montes de cigarrinhos, depois das torradas, e a pensar, que rico dia, isto é que é qualidade de vida.
Passo a explicar que a sala é em L, e na parte mais comprida do L, há 3 janelas com vidrinhos aos quadrados. O sofá está de costas para a janela do L mais perto do ângulo.
O B. e o gato estavam ali a brincar ao lado.
No meio desta calmaria entram a minha mãe e a Fi na sala, e de frente para mim, que estou de costas para a janela, a minha mãe olha para a janela e grita AAAAAAAAHHHHH, ora eu já conheço todas as versões de AAHHH da minha família e aquela é sempre seguida de UM BICHO! Enquanto a Fi também já está a começar o AAAAHHHHH dela e a minha mãe já vai no seguimento do seu, já eu saltei do sofá também aos gritos e a ver o que se passa na janela.
Enquanto o meu sobrinho perguntava onde ? onde ? ficamos as três de estátua a olhar para o 2º vidrinho de cima da esquerda da janela do meio, onde está o MAIOR E MAIS HORRÍVEL BICHO que eu já vi.
Aqui um parênteses: a minha casa é sistematicamente invadida por bichos nessa altura do ano, alguns deles esquisitíssimos, como umas aranhas enormes cinzentas tipo estrela do mar, já sem falar que temos a alegria de ter formiga branca, para a qual, segundo o homem da Bayer, só há uma solução – deitar a casa abaixo, e cavar o jardim e o terreno todo até encontrar a termiteira.
Portanto, apesar do nojo horroroso que todas nós temos de bichos, já conhecemos muitos géneros e aquele bicho era completamente novo e ainda mais horrível, uma espécie de aranha gigante, que ocupava quase o quadradinho de vidro todo, mas com uma espécie de cauda/ferrão, uma mistura de escorpião com aranha, muito escuro, quase preto.
Depois do silêncio total que se seguiu aos gritos, olhámos umas para as outras e muito baixinho para não assustar o bicho, perguntámos e agora o quê que fazemos ?
Bom, decidimos ir ver se o bicho estava de facto do lado de dentro. Eu fui lá fora e confirmei o pior, estava do lado de dentro.
Então, decidimos que o melhor era
1. Tirar o B. da sala, ele que estava encantado com aquilo tudo, embora um nadinha assustado depois da gritaria;
2. Tirar também o gato;
3. Irmo-nos vestir à vez;
4. Depois logo se via a solução a dar.
Portanto, à vez, uma ia vestir-se, uma tomava conta do B. e do gato na cozinha e a outra controlava o bicho que estava muito quietinho no seu vidrinho.
Isto de nos vestirmos ainda demorou o seu tempo, e o bicho continuava no seu canto. Entretanto íamos discutindo quem é que se chamava para ir lá tirar o bicho. Claro que nós próprias estava fora de questão, nem nos aproximávamos da janela.
Bom, a minha outra irmã e o meu cunhado não estavam em casa. O meu inútil namorado da altura tinha ido para fora no fim de semana e eu tinha ficado (estava na fase do já nem o podia ver) portanto não servia para nada (como sempre, devo ter eu dito na altura). Os nossos amigos estavam quase todos de fim de semana grande no Algarve ou noutro lado qualquer – era um fim de semana de ponte. Passamos revista aos poucos que cá tinham ficado, fomos telefonando, ninguém estava em casa.
Finalmente o irmão do meu cunhado, que não podia lá ir porque estava sozinho com os filhos, deu-nos a ideia de pôr uma caixa em cima do bicho, dar uma pancada no vidro do lado de fora para o bicho cair dentro da caixa. Nada feito. Primeiro a caixa não ia tapar totalmente o bicho por causa das esquadrias de madeira dos vidrinhos e segundo nenhuma de nós lá se chegava, de qualquer maneira.
Entretanto metade dos móveis da sala já estavam desviados das paredes daquele lado, não fosse o bicho descer e meter-se debaixo de alguma coisa, ao menos sempre o víamos.
Telefonamos ao homem que faz obras lá em casa. Não estava.
Eu queria partir o vidro para o bicho cair lá fora, mas depois pensamos melhor e concluímos que também podia dar-se o caso de cair cá dentro.
A minha mãe dizia, de onde veio este deve haver mais, e onde estarão os outros, esta casa dá comigo em doida, já não bastavam as formigas, que horror, e se o bicho pica ao B.? Será venenoso ?
Bom e entretanto já se passou mais de uma hora, o bicho quietinho, e nós num pânico que não se pode imaginar, o B. já a chorar, o gato já escondido, e nestas coisas normalmente as ideias brilhantes aparecem da minha cabeça, pego na lista telefónica, abro na primeira página e vejo o primeiro numero de emergências que me parece viável:
Bombeiros de ….
E ligo para os Bombeiros. Olhe, boa tarde, eu peço imensa desculpa, isto não é um fogo, mas estamos aqui três senhoras sozinhas com uma criança de 3 anos em casa, não sabemos o quê que havemos de fazer, é que temos um bicho na janela – têm o QUÊ? – um bicho horrível , pois eu sei que não é bem com os Bombeiros, mas não podiam cá mandar alguém para o matar, é que parece um escorpião e o meu sobrinho…- se é um escorpião é melhor levar já a criança ao Posto Médico mas próximo… – MAS A CRIANÇA AINDA NÃO FOI PICADA! – pois, minha senhora, mas se for é muito perigoso para uma criança tão pequena…- então por isso mesmo, não podem cá vir matar o bicho? – olhe, minha senhora, eu tenho muita pena, mas a senhora está a ver, e se depois houvesse um fogo? Lamento mas isto não é assunto de bombeiros, o melhor é chamarem alguém – pois, por isso é que eu telefonei – mas não é connosco, boa tarde, minha senhora.
Eu com uma fúria, sigo para o próximo número: Protecção Civil.
Não atenderam.
PSP local.
Olhe boa tarde senhor guarda, eu tenho aqui um problema em casa…(e outra vez a história do bicho, das 3 desgraçadas sozinhas com a criança e o gato, da inexistência de homens por perto para nos ajudarem e da não assistência dos Bombeiros, mas nesta altura já estou com voz de lágrima prestes a sair) – os Bombeiros não a ajudaram, minha senhora ? Pois acho isso muito mal. Dê-nos o número de telefone e a morada que tratamos já do assunto.
Dou tudo, desligo o telefone, um minuto depois toca. A PSP a perguntar se é daquele número que ligaram por causa de um bicho. E eu, sim, claro, por amor de Deus, estou aqui à espera dos senhores – então vamos já.
São 2 da tarde e estou eu à minha porta a ver chegar o carro da PSP, com 2 polícias fardados lá dentro, novinhos e engraçados até, perdidos de riso, e eu boa tarde é aqui, o bicho, pois, branca de pânico, quase a chorar.
Os polícias entram em casa todos muito boa tarde minhas senhoras, olá rapaz estás bom, ó que gato tão bonito e onde é que está afinal esse bicho que trouxemos as pistolas se for caso de ser preciso dar-lhe um tiro entram na sala e
Eh lá, que o bicho é mesmo grande!
E nada de se aproximarem da janela.
Eu disse-lhes, disse-lhes eu. Nunca vi um bicho destes disse um dos polícias, nem eu, diz o outro, parece um escorpião, mas também uma aranha, ó minha senhora, depois do bicho estar morto não se importa que o leve, tenho uma amigo que é biólogo e vou dar-lhe o bicho, podem levar o bicho à vontade, que eu não o quero para nada, era preciso era matá-lo antes, digo eu.
A senhora não tem um saco e uma tenaz ? É que assim agarrávamos o bicho com a tenaz e depois ele caía no saco.
Bom lá vai um dos polícias com a minha mãe à procura de um instrumento que agarre no bicho de longe e o outro a arrastar o resto da mobília que faltava, pró caso dele fugir, tá a ver, esmago-o com a minha bota.
Finalmente estamos todos prontos para a última cena.
Um dos polícias muito esticado com a tesoura de podar a sebe na mão, o outro também muito esticado com um saco de plástico por baixo, e nós as três ao lado a ver, a minha mãe com o B. pela mão a puxá-lo para trás. E o bicho muito quietinho.
O polícia chega a tesoura ao bicho, agarra-o ao triplo som de EHRGG do lado feminino, ouve-se um CRRRRRQQQQQ, e diz o polícia
O BICHO ESTÁ MORTO !!!
E atira-o ao chão.
E nessa altura o bicho cai ao contrário do lado que não é preto, e o polícia diz
É DE PLÁSTICO !!!!!!!!
E nós imediatamente reconhecemos, agora do lado amarelo (amarelo!) um dos bichos de plástico com que o B. tomava banho lá em casa, mais precisamente o caranguejo, ainda com um grande bocado de adesivo transparente colado.
E diz a minha mãe muito esperta, que conhece muito bem o genro que tem
Foi o Adalberto (*) !
Ao que o polícia, danado, pergunta
E QUEM É O ADALBERTO ?
Bom, a esta hora a minha irmã Fi já fugiu e a minha mãe resolve fugir também e enquanto vai saindo da sala vai explicando é o meu genro, mas que grande maldade, deixa cá o filho e faz uma partida destas, não posso acreditar e está o meu sobrinho contentíssimo aos gritos Ó AVÓ, FOI O PAI? O PAI FEZ UMA ASNEIRA? UM GRANDE DISPARATE?
E como eu é que tinha telefonado eu é que tive que fazer as despedidas e os pedidos de desculpa, aí é que estava mesmo quase a chorar de vergonha, os polícias já cheios de vontade de rir a tentarem por um ar sério, e no fim ainda me pediram para levar o bicho de recordação.
Resultado: o meu cunhado só conseguiu ir lá buscar o B. à noite, depois de ir a correr comprar 3 ramos de flores e ainda hoje acha inacreditável que a brincadeira dele tenha dado este pânico.
Quanto ao bicho: Só no fim de nos assaltarem os carros 3 vezes é que a minha irmã conseguiu ter coragem para ir à PSP participar o roubo, isto aí uns 10 meses depois da história do bicho, e o bicho ainda lá estava, pregado a um placard.
(*) nome fictício, para protecção da privacidade do meu cunhado