(Nota prévia: o euromilhões não é real. Aquele prémio não existe, é um mito para fabricar sonhos e um tema mesmo à mão para escrever posts)
Comprar aí uns sessenta anos de férias.
(Nota prévia: o euromilhões não é real. Aquele prémio não existe, é um mito para fabricar sonhos e um tema mesmo à mão para escrever posts)
Comprar aí uns sessenta anos de férias.
Aí vêm eles, grita o miúdo, agarrado à porta aberta desde manhã, sentado nos degraus desde que acordou, não queres comer nada, pergunta-lhe a avó, não tenho fome; não tem fome, não tem senão aquela sensação de ardor no estômago, umas borboletas, umas reviravoltas, um aperto que lhe sobe ao pescoço, torce as cordas vocais e o não tenho fome a sair rouco, quase em soluço, não tenho fome avó e eles que não chegam e já a avó a olhar para o céu e o dia a correr, sem fome ela também, a obrigar-se ao pão e a uma caneca de água, que está calor, ao menos bebe um golo de água e ele que não tem sede. Não tem fome nem sede, nem lhe passaria nada agora, a boca amarga da secura das saudades guardadas lá dentro durante meses, quase a saírem agora pelos olhos, é a poeira, diz a avó e esfrega os dela.
Ai vêm eles, um grito saído lá bem do fundo, o som a contar os dias e as noites passadas na casa e na escola e no quintal com a companhia dos gatos e das galinhas, das couves e dos coelhos e daquela avó que se ri pouco mas que por vezes larga um som que é quase uma gargalhada, poucas vezes, muito poucas e na voz da avó, às vezes, poucas vezes, muito poucas, menos ainda, a lembrança de um riso de uma outra voz que já nem sabe bem se é lembrança ou querença, os meses de inverno e de primavera a roerem-lhe a memória.
Aí vêm eles e o carro novo a chegar, a parar ali na porta dele, que se atrasaram de certeza porque já outras portas se fecharam atrás de outras matrículas com tantos números e letras diferentes e sempre aquele F redondo que traz no peito, marcado de distância de medo de esquecimento, ele que se lembra todos os dias e nunca sabe se lá também ainda se lembram dele, a dúvida pequena que não me levaram não podes ir vais depois, agora ficas com a avó, que eu e a tua mãe não temos quarto e aqui tens a escola e não o levaram e se calhar esqueceram-se dele. Mas o carro novo pára na porta dele e afinal ainda se lembram e quando é atirado ao ar e agarrado e abraçado mesmo estando tão grande e alto, que quase nem te conhecíamos filho, mas agora no fim do mês voltas connosco para a França, nem tem vergonha nem tem mais nada senão um coração a rebentar e as borboletas do estômago a voar.
Esqueci-me de comprar aquela porcaria. Ora bolas.
(tá bem! Não me esqueci, okokokokok! Há quem me tivesse lembrado todos os dias, okokokokok! Foi ronha! Tá melhor assim?)
Não é? Quase verão?
Vai passar e eu não vou dar por ele, são as alegrias do ar condicionado.
(ó pra mim tão fresca, nhanhanhanhanhanha!)
(imagem daqui)
O prémio de início mais promissor de blog desde a Dra. Amélia: O Pornographo. Um tipo que é “escriturário numa empresa que comercializa véus de noiva”, cita Lopsang Rampa e ao 4º post já refere Bach, só pode ser para seguir religiosamente a morrer a rir.
as cornetas, os pratos e os bombos, os trompetes e a morteirada, que este blog entra (ahahahahah que bela escolha de verbo, esta minha agora!) em silly season.
Ou serious season? Para variar, não era?
(que grande seca seria…)
Eu escrevo um post a explicar que não escrevo suficientemente bem para poder escrever e escrevo-o como gostaria de escrever se escrevesse suficientemente bem para poder escrever, para explicar melhor porque é que não posso escrever sem ser a brincar, para se poder ler preto no branco que a qualidade não é suficiente; e os meus leitores acham bom. Porra pá, assim não dá.
(mas fico contente, claro, que sou gente)
Quando eu era pequena (um gajo às vezes tem alguma chamemos-lhe pena)
Quando eu era pequena sabia exactamente o que queria ser quando fosse grande. Depois apareceu uma espécie de outro mundo, o de fora: a mim apareceu cedo ou então tarde, nem sei, talvez nunca tenha aparecido realmente, dividida que fiquei desde que entendi que
uma coisa são os sonhos que temos
outra coisa é a realidade que é
isso acontece a toda a gente
e depois, transformei-me neste gajo duro que também sou. Duríssimo, o filho mais velho de um filho mais velho de um filho mais velho de um filho mais velho e nem todos eram homens. Mas há sempre uma responsabilidade
tens de dar o exemplo
(nem que seja pela negativa, digo eu anos mais tarde, a rir)
desbravar caminho
e eu sem ser mas já tão mãe-galinha, mana-galinha chata
e depois vais fazer o quê com isso?
e eu: realmente, gosto imenso de outras coisas
são mais úteis e adaptam-se melhor até ao
desculpa que te diga, és minha amiga e gosto muito de ti mas do pescoço para cima tens um computador vazio de sentimentos
computador que tenho do pescoço para cima
e números são uma coisa gira
uma coisa certa
uma coisa que não tem dúvidas
chegam-me as minhas
podes ler tudo o que quiseres
tudo o que quiseres
tudo o que aqui estiver podes ler tudo o que quiseres
tudo e se não perceberes perguntas
e eu leio e pergunto
(Mãe: só não percebi esta parte, ela chama-se Cocaína, o que é isso? e a minha Mãe mete-se no carro, vai à Almedina e traz-me
lê
lembram-se?
os abutres a pairarem sobre os corpos putrefactos
foda-se tenho onze anos e uma Mãe para além de todas as mães mas só entendo isso anos mais tarde,
o meu sobrinho de onze anos lê o Harry Potter
acho bem, eu também adoro
mas são outros tempos o que ele sabe agora não sabia eu na altura)
este post é só para mim, uma viagem ao mundo da memória
e vou lendo.
E um gajo, quando lê assim
filha os meninos estão todos a brincar e são os teus anos
se largasses o livro só um bocadinho?
ou se arma (e quase sempre ao pingarelho)
ou se desarma.
E quando se desarma
não sou muito de tiros que não acertem
entrega a espingarda
larga as palavras
atira-as fora por assim dizer
descarta-as
nem que seja escrevendo-as
de forma efémera
delével
e mantem o equilíbrio nessa dualidade
na divisão sistemática entre o sonho e a realidade.
Contratar uma equipa formada pelos melhores jornalistas e cronistas de meia dúzia de jornais diários e semanários, mais uns quantos tipos bons nessa área, fundar o jornal que eu quero ler todos os dias e distribuí-lo gratuitamente, todo financiado pelos euromilhões, sem precisar de um pingo de publicidade e sem ter de depender que qualquer (outro) interesse instituído. Com a responsabililização aos autores dos textos e, a partir desse princípio, TOTAL liberdade de escreverem o que quisessem.
A utopia da verdadeira e responsável liberdade de expressão em papel diário gratuito.
(ao almoço)
– Não há ninguém neste país que consiga (tenha tomates para) chegar à televisão e dizer honestamente: o estado português está falido. Tão simples como isto.