100nada

Um gajo como eu, um gajo como nós

Um gajo como eu, na realidade não é um gajo como nós, pois tá claro. Eu sou uma rapariga. Mas deixando essa parte de lado, um gajo como eu, um gajo como nós, tem que andar fino. Não andando, tem que se por fino. Não andando, tem que se sentar num muro com outro gajo e conversar sobre ela, essa criatura tão alien para os dois e dizer-lhe (embora ela tape os ouvidos para não ouvir) que, infelizmente, temos pena, mas também ela vai ter que se por fina. Pois, todos sabemos que não é simples, ela é gaja incompreensível para qualquer um dos dois, talvez até mais para o gajo que está mais perto dela, 24/24, esse tipo que calhou ir viver para a cabeça dela, abancar e basicamente tomar conta da loja a ver se não se partem os vidrinhos e demais coisas frágeis periclitantes.

Um gajo como eu, que vive na cabeça de uma doida varrida (são todas, uns dias mais que outros) ou toma conta e controla o que ali se passa, ou tá absolutamente fodido e ela também. E não, não é machismo, não é por ele ser gajo e ela gaja, é escolha dela ou então nem isso. Um gajo como eu que tem amigos desde cedo a baterem-lhe nas costas porque é um gajo porreiro e amigas a queixarem-se que tem um computador do pescoço para cima não faz escolhas, é assim. É o lado com que se consegue viver.

Um gajo como eu é mulher até ao tutano, desde os abraços apertados a ouvir a respiração quase adormecida de um coração ainda pequeno a bater ali agarrado até às gargalhadas que dá com as amigas, desde os ais por tipos de barba por fazer e camisola de alças até aos quilos de colares, batons e vestidos que vai acumulando, desde os tachos até à secção de coisas de automóvel do Corte Inglês (ok, até à secção de perfumes).

Para lá do tutano está um gajo como eu. Um gajo que arreda coisas da frente. Arreda, sairem-me da frente que me baralham o sistema. Ou a ela. Aos dois, ainda por cima aos estalos, ela nos “mas, mas, mas” e ele nos “não sejas parva, põe-te fina”.

Uma pessoa como eu, põe-se fina mesmo. Nem que seja ao tabefe a si mesma.

[embora às vezes seja preciso sentar-se num muro com outro gajo, que o ajuda a por-se fino]



O meu blog, os meus comentários, o meu Twitter e o meu Facebook

Para quem aqui chega de novo, explico algumas coisas sobre o meu blog, os meus comentários, o meu Twitter (e o meu Facebook).

O meu blog e o meu twitter são totalmente públicos. Quem quiser lê (ou segue, no caso do twitter), quem não gosta, tem muita escolha e por mim isso não tem problema nenhum, já que faço exactamente o mesmo, como é evidente. Depois, quem não gosta mesmo nada do que eu escrevo e não tem mais que fazer, tem comentários abertos, pode dizer o que entender, insultar-me, na boa. Não apago nada, só spam ou comentários que me peçam os próprios para tirar. Já ando aqui há uns anos largos, se ainda não soubesse como lidar com essa parte, estaria bem lixada. Acho que as pessoas são livres de expressar o seu desagrado, às vezes são bastante desagradáveis, mas é para o lado que durmo melhor. Não ligo mesmo. Tal como o que faço com todos os restantes comentários, respondo se tiver tempo/disponibilidade/vontade.

Tenho uma vantagem bestial no que escrevo, em relação a uma grande parte das pessoas: não tem nada a ver com o resto da minha vida, escrevo porque gosto, o que gosto, o que me apetece, não tenho justificações que dar a quem quer que seja, não tenho nada a provar a ninguém e, se alguma coisa me limita a escrita não é de certeza o apreço ou desapreço de desconhecidos e sim alguns travões que me imponho relacionados com pessoas próximas (família, amigos).

O meu twitter é a mesma coisa. E ainda tenho ali um endereço de email, para quem quiser usar.

Sendo assim, que me lê, tem várias formas de manifestar o seu desagrado pelo que escrevo.

O meu FaceBook é um bocadinho diferente. Tenho lá família e amigos. E amigos dos amigos, que se vão juntando e/ou pessoas que não conheço mas que são, por exemplo, bloggers por quem tenho apreço ou respeito. E, se a minha postura ali é exactamente a mesma que aqui – só escrevo coisas que considero (patetices) coisas públicas na boa, já os meus contactos podem achar que é diferente e escrever coisas que eu não quero públicas. Até pode ser uma coisa simples, ir ao meu profile perguntar pelo almoço do fim de semana, que não me apetece contar ao mundo. Seja o que for. E há que respeitar essa forma de estar no FB, até porque muitas daquelas pessoas nem sabem o que é um blog, o twitter ou outra rede social qualquer.

Isto tudo para dizer que aceito todo o desagrado público pelo que escrevo de todas as formas acima mencionadas. Desagrado sobre o que eu escrevo num FB de um amigo, não. Nem sequer no meu, noutro? Nem pensar. Inaceitável.

Era só isto.



Elefantes e outros pássaros

Deixei lá atrás um elefante a morrer. Não é que não me lembre dele, mas deixei-o a morrer e era suposto que morresse ali. Deveria seguir os outros, ou os ratos na jangada, mas aquele elefante ali, enerva-me. Não morre nem sai de cima, por assim dizer, que no fundo a esta hora já os outros todos caíram ao mar – não sabemos – de exaustão e aquele estava como queria, tirando a parte de não ter pista suficiente para levantar voo.

Não me apetece deixá-lo ali assim, sem mais palavras, abandonado por todos (tinha que ser, mas não deixa de ser um facto) incluindo pela autora. Acho que um elefante voador, que arranca da segunda circular numa noite de memorável jantar, merece melhor sorte. E depois, acaba por ser o (meu) elefante favorito, o que se decide sem reflectir, o que é um bocadito tonto e que manda tudo à merda quando estão ali a passar-lhe a mão pelo pelo. Eu gosto daquele elefante, é meu, os outros também, mas os outros são outros e, de qualquer forma, se não tiverem sobraçado (não sabemos), estão na deles, um tudo nada chorosos pela perda do amigo (os elefantes fazem muita fita, são muito piores que os crocodilos, mas disfarçam melhor com a dignidade e sempre podem arrancar uma árvore ou duas para se fazerem entender que não se passa nada) mas todos juntos. Que coisa, aquele é o meu elefante de estimação! e ali sem o escrever, durante tanto tempo.

A verdade é que não sei o que dizer dele ou como. Dele, que vê o nascer do sol e depois o final do dia, que se deita de costas e olha para as estrelas a inventar nomes pois nunca chegou à parte da astronavegação nas aulas dos elefantes mais velhos. Que bebe água durante o dia, aquela água culpada da sua solidão, sem ressentimento ou culpa, porque a sobrevivência é mais forte. Ficar-lhe-ia bem (e para efeitos literários dramáticos ainda melhor) que decidisse morrer de sede, mas isso seria estúpido e ainda não tem idade para se preocupar com a coerência da solidariedade entre pares, deixando-se morrer de sede já que os outros, muito provavelmente, estarão agora em carcaça, agarrados ao fundo do mar. Vai bebendo água e come folhas, há por ali suficientes que durem uns largos meses entre textos sobre ele. Isto é dele. Acaba por ser simples, afinal, escrever dele.

Como. É esse “como” que não sei, que me escapa. Como é que são esses dias, o que vai na cabeça dele, o que imagina, com o que sonha, o que diz aos peixes. Tenho uma vaga ideia que tem dias alegres e felizes. A solidão é uma coisa leve, contrariamente ao que se pensa. Tem um lado de reflexão e de alheamento. Há espaço para seguir uma onda até ao fim do horizonte, um grão de areia que rola com o vento. Há tempo até para, não havendo mais que fazer, contar até ao número maior que se conseguir sem distracções. Imagino só, vagamente. Talvez faça cálculos, talvez escreva na areia, como todos nós. Talvez adivinhe rotas, talvez sinta as ilhas seguintes, só pela observação dos movimentos do mar.

Talvez se tenha tornado um marinheiro. Ancorado, preso na sua ilha

mas

talvez consiga sair.


As conas de Braga

Sobre os enconados pais que chamaram a polícia porque os meninos estavam incomodados (que tristeza, esconderem-se atrás das crianças, utilizando cobardemente os filhos para desculparem o seu próprio mal-estar) e sobre a polícia que levou os livros de Courbet, já sem falar sobre todos os incomodados solidários com a censura e a manutenção dos bons costumes, só tenho a dizer o seguinte:

– Há, manifestamente, falta de cona em Portugal. Que existe, sem dúvida. Que é mostrada e/ou vista (e manipulada já agora) de forma aberta (que bem que aqui fica este “aberta”, não vos parece?), não, de todo não. Continua a ser escondida debaixo do lençol, da lâmpada apagada, da vergonha da intimidade. Se toda esta rapaziada tivesse uma saudável relação com as conas a que tem acesso, não se afligiam tanto com uma capa de um livro.

Muita punheta deve ser batida a olhar para o Courbet, mas em público não temos sexo nem queremos, somos um país de cona fechada.


Tangencial

Ao lado. Tangencial, devia ser paralelo, mas não é. É ao lado, como se torto, virado assim de esguelha, um bocado à má fila. Queria que fosse urbano, citadino, atrás dos caixotes do lixo das bombas de gasolina, misturado com pedaços de cartão e embalagens de detergente sem tampa. Quase se vê ali um tipo, é arquitecto e careca, está a ensinar a uma rapariga de sapatos na mão como é que se vomita com uma mão encostada à parede, assim não precisas de ajuda, vês? e a rapariga abre a boca e vomita os pés. Não era assim, responde ele e tenta limpar-lhe a boca, enquanto ela o empurra contra o caixote do lixo, deixa-me sozinha! deixa-me sozinha e vai embora pela rua, pés descalços sobre os cacos de garrafa que caíram fora do vidrão. Pensa agora que é a sereiazinha, sacode as conchas do cabelo, caem ao chão e parecem mesmo

pedaços de cartão e embalagens de detergente sem tampa.

O que é estúpido, já que ela não está em lado nenhum onde exista isso, porque isto era se fosse como queria, urbano, citadino, atrás dos caixotes do lixo das bombas de gasolina, mas não é. Não é como queria, é

tangencial
à má fila

o arquitecto careca desmonta cenários e pede que levem os vidrões com muito cuidado para não estragar os sapatos nos cacos

a sereia deita fora os sapatos, nunca precisou deles e arrasta cotos pelo cenário branco até ao fim do papel.

Depois debruça-se para o verso da folha e mergulha de cabeça.



Os perigos da net – Facebook

Há uns anos, escrevi um post muito polémico sobre os perigos da net, que me granjeou, entre outras coisas, mais alguns anti-corpos bloguísticos, coisa que me incomodou um bocado, mas não me causou qualquer arrependimento no que escrevi. Era em geral sobre os perigos da net e, em particular, sobre as fotografias das crianças que se vão postando.

A única coisa que mudou desde essa altura foi o facto de ter “privatizado” o meu babyblog há um ano e tal ou coisa assim. Na altura algumas das pessoas que assistiram à “cena” perceberam a razão. Já me debatia se tinha o direito de expor a minha vida de mãe assim em público e, naquela altura em que o fechei, de repente, percebi que o perigo (ou, pelo menos, o horror do potencial perigo) era imenso.

Tenho vindo a explicar uma e duas e vinte e cinquenta vezes a razão do “fecho” a quem me tem perguntado, mas fica aqui, preto no branco, para se perceber de uma vez por todas e porque me parece ser isto importante:

– na altura, arranjei uns anticorpos bastante agressivos, nos comentários da Soca. Um tipo que não gostou da minha atitude perante a total falta de educação dele e que lhe tivesse feito frente, forte e feio. Veio para o 100nada ameaçar-me. Que eu estava fodida com ele. Que me fazia uma espera. Que descobria onde eu vivia e um dia eu iria ter uma surpresa à porta de casa. Foi à minha procura por toda a net e ia debitando nos meus comentários todas as pessoas com o mesmo nome, moradas incluídas, a dizer, “já te apanhei, agora estás fodida”. E passou um dia a ler-me o babyblog de trás para a frente (na altura tinha contador de visitas). Quando vi aquilo, acho que vomitei de horror. Um doido daqueles a ler a minha vida de mãe, as minhas coisas, as histórias sobre o meu filho. Um asco, um pavor. Fechei o babyblog naquele preciso momento.

Depois, aconselhei-me judicialmente, disseram-me que havia ali mais que matéria para processo-crime. Mas que, quando lhe fossem bater à porta, ele também iria saber quem eu era e onde vivia mesmo. Acabei por desistir da queixa, com MEDO. E na esperança que fosse apenas mais um maluco, que entretanto já fazia grande marcha-atrás nos comentários, desculpando-se que não me ia fazer nada, só me tinha querido “pregar um susto e dar-me uma lição”.

Passei um mês ou dois a olhar para trás de todas as esquinas, de todas as sombras. A entrar e a sair de casa a correr, convencendo o meu filho que estávamos a brincar aos espiões e tínhamos que ir depressa e espreitar primeiro a ver se os maus estavam lá. Nunca deu por nada, foi só uma brincadeira divertida para ele. Durante aquele tempo não dormi, vivi num desespero. Depois o tempo foi passando, o maluco nunca apareceu e as coisas foram acalmando.
Mas não me esqueço. A verdade é que “aprendi uma lição”. Não aquela que me queriam ensinar, mas outra. Queremos sempre proteger os nossos filhos de tudo, do mundo, dos males, dos maus. E depois escarrapachamos as vidas deles nos babyblogs, nas fotos do Facebook? Para quê? Para termos notoriedade, para que vejam como somos boas mães e temos rebentos bonitos? Para mostrar que temos vidas felizes, com sorrisos de crianças fotografados e expostos a toda a gente? Vale a pena?

Hoje tive uma “conversa” no Facebook com o JPG. Ele pediu autorização para a postar e escreveu um post excelente sobre “a segurança e privacidade nas redes sociais – FaceBook”. Aconselho vivamente a ler. E, quando pensarem que os vossos updates estão protegidos e só deixam ver os amigos e etc e tal, reparem bem na mensagem que aparece em todos os testezinhos, todos os presentinhos, todas as mariquices que acedem aos vossos perfis, conteúdos, fotos e demais informações. E a gente a clicar que sim, que autoriza, sem sequer ler o aviso. Poizé.


O desaparecimento dos turbanões

Não sei se gosto que os turbanões se tenham calado. Talvez tenham entrado numa batalha mais sangrenta, talvez não tenha sobrado nenhum. Só antenas partidas, pedaços de capacetes e de armas partidas, numa sala dentro dos tubos, uma daquelas onde os fios encalham quando os passamos pela parede. Nem um para amostra, agora, não aparecem quando me distraio, não os sinto a espreitar atrás das frinchas, à espera que eu me vire para desaparecerem. Não os encontro no canto dos olhos, nem sequer quando os fecho e aperto muito, nem aí, nas galáxias de escuros dentro das pálpebras. Acho que não gosto que se tenham sumido, irritam-me por terem desaparecido, chateia-me que não estejam ali. Não os procuro, que sempre soube que só os veria se não estivessem lá, mas sabia que sim e sei que agora não. De uma certa forma, não ter turbanões por perto, é muito mais solitário que não ter gente. Como se a minha inquietação me tivesse abandonado. E isso, até poderia parecer bom, mas na verdade, agora sabendo que não estão à coca a ver quando é que me lembro de os querer apanhar sem darem por nada, sempre nessa corrida de velocidades, se eu viro mais depressa a cabeça do que eles se escondem, sem turbanões aos tiros por baixo dos pés, a treparem para as solas das botas para terem um ângulo melhor, sem isso, isto não tem metade da graça.