À vista de toda a gente
Um dia, a organizar uma caça ao tesouro (organizava todos os anos) e a esconder envelopes, decidi enfiá-los todos numa parede de rede, completamente à vista. É giro, há fotografias das pessoas à procura por todo o lado e os envelopes ali, vêem-se perfeitamente. Só resulta uma vez, mas calhou mesmo bem.
Tinha escrito “mas foi uma cena mesmo fixe” e foi, mas apaguei. Depois pensei ora que se lixe, é um envelope numa rede e calha que é minha (até pago por ela e tudo). Foi uma cena mesmo fixe. Estou a ver uma das fotografias na minha cabeça. Lembro-me da fotografia, não me lembro da cena em si e fui eu a tirar. É por isso. Tiramos retratos e lembrando-nos dos retratos, é o que fica, o resto vai sumindo, a pic vamos revendo. Não tenho a certeza se somos feitos para isso. Esta necessidade de registar memórias, se calhar não é bom, deviam esbater-se, dar lugar a novas em vez de irmos lá atrás rever momentos registados. Não nos queremos esquecer deles, são importantes. Mas não sei se somos feitos para isso ou se devíamos largar, desligar deles. Tenho a sensação que vivo sempre entre uma coisa e outra, se me desligo, se me ligo outra vez. É um local solitário
estão uma data de luzinhas vermelhas a piscar agora, não vás por aí, não escrevas palavras que andas a moer, enquanto não escreveres, enquanto não disseres alto, não acontece, não é real
mas enquanto for envelope
Quanto tempo aguentas dentro do envelope até anunciares que o destinatário é toda a gente?
enquanto for envelope, estava eu a dizer
estás a sublinhar e sabes.
Sei.
- Todas eu nós
- Dêem-me com uma marreta nos cornos (*)