Janeiro três – No semáforo vermelho
A rapariga tem a janela do carro aberta, um cigarro numa mão e canta muito alto (muito desafinada) ohhhhhh we close our eyes, the perfect liiiiiiife. Tira uma fotografia ao semáforo, arranca no verde e pensa ficava muito melhor uma fotografia daquelas janelas iluminadas, escritórios com mesas e secretarias e pessoas, podia chamar-lhe a vida aos quadradinhos mas agora não dá, há que andar. Ainda é dia ou já é outra vez dia, o primeiro dia de inverno é o princípio do verão. Tem pensado muito nisso, em dias gelados ou chuvosos, dias tristonhos e feios: nunca mais é verão. E depois chega e desaparece num instante e já foi verão e espera lá! Como é que foi isto, já passou? E agora, espera-se pelo próximo verão, em estado meio hibernado, em toca de mantas e chás, só assim, a ver passar os dias? E as pessoas que vivem sempre mais ou menos no inverno, estão anestesiadas a vida toda? Há aqui alguma coisa errada, gastar dias em nada só porque são feios e não se gosta deles.
Os miúdos, quando são pequenos, tanto lhes faz. Está a chover, é fixe, saltam nas poças de água, está frio e é correr atrás deles, veste o casaco! É indiferente, trazem dentro um verão só deles.
Se calhar é isso que a rapariga que canta aos berros dentro do carro, de algum modo, também quer. Trazer dentro um verão só dela, todos os dias.
- Janeiro dois
- Janeiro quatro – O meu filho e eu
É isso que quero para este ano: trazer sempre um verão só meu cá dentro. Pode estar meio encoberto nuns dias (não fosse eu uma mulher do Norte e apreciadora de uma certa neblina), mas sempre verão.
Ai, Cat… Mulher, que saudades! Catorze anos depois, continua a ser tão bom, a valer tanto a pena… Que saudades de um blogue que é um blogue e não uma montra/catálogo/panfleto…
Eu acho que a rapariga eras tu! 😛
em dias cinzentos tenho a tendência para a hibernação e para me virar para dentro… não é que não faça falta fazer isto de vez em quando, mas o inverno todo é capaz de ser demais é….
agora descobrir onde raio tenho esse verão arrumado cá dentro é que não é fácil…
“Há aqui alguma coisa errada, gastar dias em nada só porque são feios e não se gosta deles.”
Mesmo…
Maravilhoso. A adorar este regresso! :*
Foi preciso ler isto para perceber, já com metade da vida vivida, o valor do que trago aqui dentro. Tenha eu a sabedoria ou o instinto (agora que sei) de não perder este verão só meu.