Sabes
O mundo pula e avança, já dizia o poeta, e é mesmo assim. Pula e avança, como um gato num telhado a ser passeado por um vulto que não se percebe se é homem se mulher. Viram os dias e chegam aqueles em que já não é noite a essa hora e o vulto se transforma numa mulher – é mulher afinal, um inverno inteiro sem se perceber. Os cães continuam a ser passeados à mesma hora mais tardia, os mesmos cães, a mesma hora, mas em dias que acabam mais tarde: não é tão noite, por assim dizer, relativa ao dia que terminou, embora cães e gatos mantenham os mesmos horários. É nessas rotinas que parecem iguais, é nas trepadeiras que parecem não ter crescido mas caem agora dos pauzinhos onde estavam presas, é nessa indiferença absoluta do mundo, que teima em pular e avançar ao tempo de uma planta a crescer, essa que observamos e se mantem imóvel e, quando nos voltamos, já foge do vaso pelas paredes acima, é essa indiferença dinâmica que o mundo teima em manter, em não nos ligar nenhuma (a nós e às nossas angústias e ritmos e dias assim e outro menos assim) e, ao mesmo tempo, em andar para a frente e nos empurrar, quer queiramos quer não, é essa força brutal que nos obriga, passe o lugar comum, a – tão simples quanto isto – viver.
(publicado em 29.05.2006 no Sociedade Anónima)
- Search for the hero inside yourself
- No semáforo vermelho
“I hate to break it to you, but there is no big lie, there is no system, the universe is indifferent.” [Mad Men].
Ó que lindo!
“O mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”, ou não fosse este poeta um físico.
Pilar, exacto. (nunca vi isso do Mad Men)
M. tudo isto é dinâmica, poztáclaro.