100nada

Da série sobre aspones: o chato de se ser um aspone em crise

Prólogo:
Esta é das melhores palavras que alguma vez se inventaram. Aspone. Na minha ingenuidade total (ou mais precisamente, na minha total distracção para esses temas) confesso – não se riam muito – que, a primeira vez que ouvi, achei que uma criatura dessa natureza seria de origem italiana ou isso, José Aspone Silva, talvez nascido em Turim, filho de José Silva, emigrante que tinha conhecido uma Donatella Aspone e a coisa se tinha posto.
Mas não, ali não havia argumento para Visconti, “aspone” era com minúscula e não consigo traduzir a palavra sem me rir:
as-po-ne: assessor de porra nenhuma. Quem inventou a palavra devia ganhar o Óscar da Língua Portuguesa.

Segundo Prólogo (ou Rodapé Catita): ver no final do post.

O Post Propriamente Dito:

É realmente muito aborrecido ser-se um aspone em tempo de crise. Vejamos. Um aspone gasta a sua energia, tempo, esforço e dedicação total para se tornar um aspone de sucesso. Que ele aspones é aos pontapés e, se bem que numa primeira fase se reconheçam, cumprimentem e troquem floreados, numa fase mais ascendente, qualquer aspone que se preze e nunca se desvie do seu objectivo final – ser um aspone de sucesso – irá tentar afastar os concorrentes (outros aspones que tentam também trepar para a mesma prateleira) sem dó nem piedade, embora sempre sorrindo, cumprimentando e atirando flores à cara dos mais abaixo. Tudo isto dá trabalho, coisa que um aspone convicto, na realidade, detesta. Um esforço sobre-aspónico, portanto.

Chegado à prateleira, senta-se o aspone de sucesso com os seus pares e prepara-se para finalmente retirar os frutos da sua luta e labuta. Que diabo, é merecido que agora receba aquilo que lhe é devido. E que, durante a curva ascendente, tenha verificado que outros aspones, já na fase prateleira-de-sucesso, tenham também recebido. Pode ser muita coisa e não vamos entrar agora em detalhes sobre as aspirações de um aspone de sucesso, serão de certeza coisas muito importantes, quer materiais, quer imateriais; no entanto, não sendo isso que está em causa, está em causa a capacidade de lhe serem atribuídos os prémios de primeiro lugar na corrida para aquele canto da prateleira-de-sucesso por quem de direito.

Ora o que acontece é, bem, o que acontece é a crise. A crise é uma coisa aborrecidíssima, que causa maçadas à vida das pessoas, queixumes de quem não tem as prioridades bem estruturadas (na opinião de um aspone) e, enfim, é chato. Mas o que é verdadeiramente chato é quando a crise se chega à beirinha da prateleira-de-sucesso de aspones. Isso sim, isso é A CRISE. Como é que é possível que isso aconteça, naquele preciso momento em que aquele aspone ia receber as suas recompensas todas?! Tá mal, pois claro que tá mal e é muito injusto! Tanto aspone antes que tirou tanto e agora já não há? Isso é inaceitável, absolutamente inaceitável. Há que rapar o fundo ao tacho antes que acabe. E é exactamente o que aquele aspone irá fazer.

[Moral da história: aqui os ratos não são os primeiros a sair do navio que afunda. São, mas não sem antes esventrarem o navio todinho; antes de sairem, irão roer a vela e o mastro e quem sabe até a quilha; se afundar mais depressa, terão pena, mas o que já cá canta, já cá canta.]

Rodapé Catita: “Da série sobre Aspones”: série dedicada a uma minoria em crescimento da população, cujo processo de extinção se torna cada vez mais premente assegurar.

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