Os pássaros do elefante
Até podiam ser outros, mas quero-os ali, na ilha do meu elefante, agora, para os conseguir ver. Não estiveram sempre ali, claro. Voaram, são pássaros sem problemas de comprimento de pista. Voaram e aterraram ali e ninguém deu por nada; chegaram a meio da noite quando o elefante dormia depois de ter completado os wus que se tinha proposto fazer e que estivesse acordado, teria sido a mesma coisa: talvez uma mancha contra as estrelas, vaga como um pedaço de nevoeiro que se levanta do mar. Mesmo eu, que sei que ali estão, tenho alguma dificuldade em distinguir-lhes as asas, já que são pássaros-camaleões-de-céu. Oh, primeiro pensei em pintá-los de uma cor qualquer, ficava mais bonito talvez, contra um céu de outra cor, assim à laia das caixas de cartão onde se guardam lenços brancos e risca cinzenta. Mas esta minha mania de querer à força pintar também com água do mar, como Alessandro Barricco, obriga-me a pintar os pássaros da cor do céu. Nem sequer é original, mas é assim que os quero, imóveis e silenciosos, em redor do elefante adormecido e já as cores a mudarem para cor de areia às escuras.
Não sei bem o que lhes fazer agora, já que me fintaram do meu quadro de voo contra o céu. É sempre assim, nunca sabemos e, quando o inesperado acontece, imobiliza-nos da mesma maneira que aos pássaros, completamente aparvalhados a olharem para um elefante voador numa ilha que nem pista decente tem, a fazerem contas a velocidades de arranque versus pesos. São pássaros, está-lhes nas penas toda a teoria e prática de engenharia aeronáutica e aquele aparelho de orelhas compridas e tromba não é, de todo, um objecto que possa ser considerado, assim à partida, como alado.
Temos pois aqui um impasse, digamos, literário. Autor e personagens imóveis, uns mais visíveis que outros. Só falta o elefante abrir os olhos e olhar para aqueles pedaços de céu ali ao lado na praia. É esta surpresa absoluta que nos tolhe, muitas vezes, a escrita. De repente, nenhum de nós, todos os desta história, entende exactamente o que se passa. É até provável que se nenhum de nós se lembre que ali chegou a voar. Por enquanto.
E é bem provável que eu termine esta história um dia destes. Quando o formigueiro da imobilidade se começar a fazer sentir. Quando este longo voo solitário terminar.
Quando a minha escrita abrir asas outra vez.
- No semáforo vermelho
- agarrar os fios
Pingback: Catarina Campos
ah voltou!
rsrsrsrsrsr