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1. A crise financeira trocada em moedas de cinco cêntimos – A Aldeia Global

Quando se fala em Aldeia Global, a malta pensa logo em coisas simples, como a redução da distância, a facilidade com que se passa férias na Nova Zelândia, a rapidez da viagem da tia Mariazinha quando visita os compadres em Newark, as comunicações tão rápidas, a net e o comércio electrónico, enfim, pensamos muito na palavra Global, de globo curto e pequeno, o mundo ao alcance da mão.

Esquecemo-nos da outra palavra: Aldeia. Uma aldeia não é uma vila ou uma cidade. É um pequeno burgo, com pouca gente e onde toda ela se conhece. Onde realmente se vai daqui para ali num pulinho e tudo é muito perto e fácil. Mas uma aldeia tem outras características e não são muito diferentes da nossa Aldeia Global.

Na nossa Aldeia Básica Nº1 (AB1) toda a gente tem uma horta e uma coelheira. Toda a gente come coelho com alface e toda a gente é feliz (menos os pobrezinhos que, em qualquer aldeia, comem restos de folhas de couve e as cabeças dos coelhos quando sobram, portanto vamo-nos esquecer agora deles, embora seja um bocado desumano, mas é assim que as coisas funcionam na realidade).

Um belo dia, o Zé vai a casa da Maria e diz-lhe “ó vizinha, eu não sei lá o que dá aos coelhos, mas os seus têm muito melhor aspecto que os meus; mas olhe que não devem ser alfaces, que as suas estão pra lá de murchas. Então, eu vinha aqui propôr que a vizinha me dava uns coelhos e eu, em troca, lhe dava umas alfaces, já que os meus coelhos estão a morrer todos com excesso de vitaminas”. A Maria olha para as alfaces do Zé, pensa um bocado e diz, realmente é capaz de ser uma boa ideia. E cada um deles passa a especializar-se num só produto. Claro que, passado um tempo as alfaces do Zé são as melhores alfaces da aldeia e os coelhos da Maria os mais tenrinhos, uma vez que os dois dedicam o tempo inteiro a aperfeiçoar aqueles produtos.

E, como têm a mais e o resto da aldeia também só tem hortas e coelheiras, os dois resolvem juntar-se e ir falar com a Aldeia Básica nº 2 (AB2) e explicar a uns primos que lá têm que, se se especializassem em galinhas e maçãs, poderiam trocar todos os seus produtos. Como a procura passa a ser o dobro e com a especialização da produção dos quatro primos, os produtos têm maior qualidade, as outras pessoas de ambas as aldeias passam a trabalhar para a Empresa Primos e Cia, que entretanto resolveram formar, com a finalidade de ir vender alfaces, maçãs, coelhos e galinhas, à Aldeia Central da Região (ACR).

A ACR acha tudo muito bem, mas tudo aquilo é pouco, porque fornecem trezentas aldeias e, ou a quantidade da Empresa Primos e Cia é suficiente ou não compram a produção. Os primos juntam-se e resolvem contratar uma data de gente de outras aldeias e comprar umas máquinas que apanham as maçãs e as alfaces e uns aparelhos que dão de comer aos coelhos e às galinhas automaticamente. Fazem umas contas e verificam que precisam de dinheiro para aqueles investimentos e para pagar ordenados, segurança social, planos de reforma, seguros de saúde e subsídios de almoço.

E é então que a Maria (que é gaja e é esperta) se lembra: e se pedíssemos a toda a gente que nos emprestasse o dinheiro que têm escondido debaixo do colchão? Os primos acham uma ideia linda e lá vão eles angariar fundos. Só que a resposta que levam é a seguinte:

“sim senhor, o eu empresto o dinheiro que tenho debaixo do colchão; mas como aquilo me ampara a cama e fica mais suportada, vou ter que comprar uma tábua para meter no lugar das notas. Tá bem que não me pagam a tábua agora, se não podem, mas quando mo devolverem, é o meu e mais o preço da tábua”

Eles concordam e assim se concretiza o empréstimo com pagamento postecipado de capital e juros.

Mas depois, algumas das pessoas pensam assim:

“Olha lá! estes tipos aqui desta empresa vão ficar ricos! E eu só recebo o preço da tábua? Nem pensar. Eu quero sociedade!”

e os primos, que já são sócios em partes iguais, cada um tendo entrado com respectiva coelheira/galinheiro/horta ficam naquela, epá mais sócios não…e a Maria, que é uma gaja esperta, inventa o seguinte:

“Ora nós já temos aqui as nossas coisas e não queremos mais ninguém de sócio; mas como precisamos de dinheiro para investir nas tais máquinas novas e o que nos emprestaram não chega, fazemos um aumento de capital e damos a estes um papel que diz que são donos e que têm direito a uma parte dos lucros; mas claro que esse aumento nunca será no seu todo maior do que aquilo que nós já temos: fazemos a coisa assim: o total, 51% fica para nós e assim decidimos tudo; e os restantes 49% ficam para eles. Se tivermos lucros, damos-lhes (se não voltarmos a investir esses lucros) e se tivermos prejuízos, paciência, não recebem nada.”

(à suivre)

0 thoughts on “1. A crise financeira trocada em moedas de cinco cêntimos – A Aldeia Global

  1. catarina

    Ah! Mas eu explico o conceito lol! Postecipado=pago depois. Claro que tenho que ir utilizando as palavras correctas, senão a “aula” não serve de nada. 😀

  2. nuno

    então não é que esta senhora catarina consegue fazer entender este mercado complicadissimo a todos? PARABÉNS. Tenho de mostrar isto à minha mãe!

  3. catarina

    A Maria é uma gaja e esperta, olé, Cool!

    nuno, “mostrar isto à minha mãe” é um elogio muito bom. .)

    E dar uma aula ao filho, gaija do norte, é outro. :)

    Obrigada!

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