100nada

ora então tá na hora da porra do post assim mais coiso

Gostei do título, fica bem ali em cima, dá-lhe conteúdo, forma, equilíbrio…equilíbrio…equilíbrio…

Era uma vez um homem que vivia num…hum…onde, onde hei-de eu por a viver um homem para uma história de equilíbrios, deixa pensar, já sei, vivia num andaime. Entre o quarto e o quinto andar.

O andaime não estava fixo a lado nenhum. Era um andaime normal, daqueles que se colocam nas paredes dos prédios, para pinturas e coisas assim. No fim da obra, era desmontado, carregado numa camioneta de caixa aberta, guiada por um eslavo que fumava cigarros sem filtro. E a casa do tal homem, sendo constituída pelas tábuas do andaime que era usado para pintar o quarto e o quinto andar, também era desmontada.

A casa não tinha muita coisa, não dava trabalho nenhum a desmontar. Cabia tudo num saco de pano muito grande que servia também de colchão e lençol, já que, quando o homem vivia no andaime, esvaziava o saco e dormia dentro dele. E quando o homem não vivia no andaime, dormia dentro do saco em cima da camioneta e até ajudava o eslavo a guardar as tábuas e os tubos. O eslavo dormia dentro da cabine, porque tinha medo de espaços. E nunca percebia quando o homem lhe respondia, também eu tenho medo de espaços, é por isso que durmo lá fora, mas talvez fosse por ser eslavo e não dominar bem ainda o português.

Dentro do saco do homem, mas talvez seja melhor inventariar o conteúdo em casa dele. E, quando chegava a casa, entre o quarto e o quinto andar de qualquer lado, mas sempre nas mesmas tábuas marcadas, o homem pousava o saco, abria-o e tirava

uma lata de tinta
um pincel

e pintava outra vez a marca nas tábuas. Porque aquelas tábuas eram a casa dele e as outras não eram. E isso era importante.

E tirava também

um casaco e vestia-o porque nos espaços está frio e vento, por vezes. Quando a temperatura era amena, enrolava-o e servia de almofada.

E depois a seguir

enfiava-se no saco, abria um bolso interior e tirava uma (tinha de ser) fotografia. Olhava para ela, sorria e voltava a arrumá-la. E depois adormecia.

Não precisava de mais nada. Tinha as suas tábuas marcadas, a sua casa. Tinha ar. Tinha altura. Tinha janelas enormes do tamanho das paredes. Tinha o saco. Tinha a comida que lhe davam por ajudar a tomar conta dos andaimes. A roupa que trazia e um banho aqui outro acolá, numa mangueira de obra. Tinha o medo dos espaços resolvido. Era um homem feliz.

FIM

Quando me ocorrrer que raio de imagem tinha a fotografia, eu depois logo informo…

0 thoughts on “ora então tá na hora da porra do post assim mais coiso

  1. catarina

    Podia ser, podia ser, mas não estou bem a ver como é que encaixo a betoneira…era mais assim uma coisa ‘a cabine do guarda do parque de estacionamento subterrâneo’ tazaber? 😉 Claro, pode-se sempre armar a coisa e dizer que era a pic de um cubículo onde tinha estado preso durante vinte anos por ter morto à facada uns tipos que lhe estavam a gamar galinhas ou isso…

  2. PreDatado

    Equilibrios. Todas as noites teria de verter uma lágrima. Mantinha-lhe certos equilibrios. Tirava a fotografia, um fotografia de mulher. A preto e branco. A gola da blusa preta, de onde ressaltava um ainda branco colar, estava coçada de lhe assentar todos os dias o dedo polegar. Coçada a preto e branco. Caía a lágrima, ele dava mais uma olhada de relance. E voltava a por a fotografia no bolso. Afinal era apenas a fotografia de uma mulher. A preto e branco. Agora o bolso tinha mais peso e os olhos menos, pela lágrima perdida. Manteria o equilibrio,

  3. Maré

    Com tão pouco se pode ser feliz. Basta fugir dos espaços. Um pouco assim como as casas que tinha nas árvores. Uma questão de equilíbrio. Dormir sem cair. Já me aconteceu sabes?
    A fotografia pois! Não sei. Mas porque não de um passado trapezista? O homem podia já ter voado. Não sei se não valia a pena o fim.

    És um espanto. Beijo e sonha ao ar livre. :)

  4. cap

    Acho que a foto era de uma casa, a da sua infância. A última que habitou, só assim se compreende a sua necessidade de espaço

  5. Carla

    A foto poderia ser a do anúncio de umas obras para breve, anunciando que iriam ser colocados andaimes e que a rua ficaria inacessível (tipo Rua da Madalena, em Lisboa, durante cerca de 9 meses). Sim, porque quem gosta de viver em andaimes sabe que tem que ir mudando de casa de quando em quando :) E talvez seja essa a forma de fazer esse homem feliz. Um nómada por excelência.

  6. catarina

    Obrigada cap e Carla pelas ideias! :)))

    Leonel, deve ter sido um ‘estrondoso’ bug no contador do weblog, porque o sitemeter tá igual aos outros dias (as 800 do costume). :) Mas é giro estar lá no cimo, lá isso é…;)

  7. Robina

    Este post foi decerto inspirado naquela treta do Fear Factor :-)))) Para quando os guzanos? :-))))

    Bom dia 😉

  8. TheOldMan

    Noutro tempo ele seria um preto magro de pele enrugada, olhando a fotografia de um miudo sorridente e de carapinha encostado a uma casa de tijolos de lama.

    Apenas os personagens mudam.

  9. catarina

    De todas as sugestões para a fotografia, confesso que aque gostei mais foi da da Carla. Um sorriso a pensar na mudança da casa. :)

    Robina, só sei que o Fear Factor é um programa de televisão, mas nunca vi. :)

    Oldman, como em todas as histórias: só mudam as personagens, de resto é sempre igual. A maneira de contar é que pode ser diferente. Não se inventa nada. :)

    Rui, como já ali disse em cima ao Leonel, essa medalha de prar é desmerecida, pois o meu sitemeter indica as mesmas visitas dos outros dias. :)

  10. Carlos F.

    Como CAP, tambem eu penso que seria uma casa, a dele de pequenino, ou uma outra igual a tantas outras que já ajudou a construir, o sonho, talvez ele um dia possa dormir num outro espaço, talvez mais pequeno mas mais acolhedor, quem sabe?.

    Eu sonho, eu sonho com a utopia, um dia todos os homens terão uma casa, todas as crianças terão o seu espaço, o seu tempo de crescer a bricar, todas as mulheres serão mulheres todas terão sorrisos e não sómente lagrimas…utopias!, é a minha fotografia secreta….

  11. Santa Cita

    João é um rapaz banal.
    Tez escuríssima. Alto e desempoeirado. Mãos enormes.
    Um vozear trovejante com um Português cantado, hesitante e de palavras que, porque de atropelo, formam (às vezes!) cachos de sons ininteligíveis.
    Passa o dia no duro trabalho do betão. Trabalho físico árduo.
    João não se lamenta. Embora desenraizado sente que é o seu Dever. Sim. Assim mesmo com maiúscula. Dever de quem trabalha longe da pátria e sonha voltar depressa.
    Os dias passam iguais. Um após o outro. O amanhã seguindo-se ao hoje. O ontem sem grandes memórias.
    Tem um carrito. Um Fiat Tipo. Velhinho. Substituiu todos os emblemas da marca por emblemas do SLB. “Glorioso SLB” diz com indisfarçável orgulho.
    Os fins de tarde passa-os com os conhecidos na Associação lá da terra onde bebe uma ou duas cervejitas.
    As noites passa-as numa velha carcaça de autocarro tendo como companhia ou o frio ou o calor, a escuridão da noite.

    A solidão combate-a com uma arma terrível.
    Uma velha fotografia dos seus.

    E voa. Como voa. Como é estonteante a velocidade com que anula o espaço que os separa. Como é bom estar de novo aqui. Que pôr-do-sol mais vermelho. Que bom estar de volta. Que bom estar convosco.

    Até amanhã.
    E até amanhã.
    E até amanhã.

    Um beijo.