100nada

Quando for grande quero um quarto de vestir


(pic daqui)

Não é este, mas não há uma porra de uma pic do que eu quero. É tudo Ikea ou parecido. Não é isso que eu quero, também não é este, mas é menos mau. O que eu quero é um quarto de vestir, com montanhas de armários e gavetas e prateleiras e um armário para sapatos e espelhos e essa cangalhada toda, MAS também quero que seja um quarto. Com uma porta. E janelas. Janelas. Não quero entrar num armário. Quero um quarto mesmo.


tá bem, tou noutra, ok?

E tenho mais que direito de estar noutra. Não que alguém me diga assim exactamente na cara ou se queixe, é mais “ah tu agora é só tuíta e tal”. Pois não é. Também não é tuíta. Tou, digamos, offline. Até me apetece escrever nos meus blogs mas não tenho disponibilidade.
Tou noutra. Até logo.

E o frio que tá, caneco? O frio que tá, só ao estalo, eu, depois de ter arrumado a roupa mais quente toda, foi mesmo bem pensado.


Tarefas de seca

Trocar roupa de inverno com a de verão. Pensar isto sim, isto nem por isso, isto ainda serve agora, isto nunca mais vou vestir na vida, isto já não dá para este tempo, caixas para cá, caixas para lá, troca cabides, tira casacos, enfim, uma seca desgraçada. Para depois ficar a saber que na próxima semana parece que volta o inverno…já se decidiam, não?!

quando for grande quero ter um quarto de vestir


A devassa

Tenho para mim esta, talvez estranha para alguns, noção ou princípio ou seja o que for que se lhe queira chamar, que a devassa da privacidade das pessoas, aquilo que é muito mais ainda do que o meter-se onde não se é chamado, a devassa mesmo, a invasão do espaço que é de cada um, é uma coisa absolutamente inqualificável. Que me perdoem as pessoas que conseguem ver nuances de cinzento, que acham que em certos casos é justificável, que não aguentaram naquelas tais ou tais circunstâncias, eu posso até simpatizar. Mas para mim não serve. É mesmo daquelas coisas que só consigo ver a preto e branco. Nesta merda sou mesmo radical: antes um gajo dar-se mal do que perder o respeito pelos outros e mais ainda, por nós mesmos.


Vamos lá andando que se faz tarde

Constato sempre em dias assim que tenho uma sorte do caráças com as pessoas que tenho à volta. São realmente bestiais. E ainda me aturam a mim, que sou uma criatura cheia de defeitos e ainda por cima gosto deles. Sou uma egoísta de merda que se fecha quando lhe apetece porque, muitas vezes, prefere estar consigo mesma do que aturar mesmo as pessoas de quem gosta. Sou “deslarguem-me”, deixem-me sossegada, não me chateiem, saiam-me da frente. Sou bruta, crua, mal educada, sou exasperada, impaciente, tenho mau feitio, fúrias, mando tudo à merda, atiro com as portas, ando à biqueirada e vou-me embora sem olhar para trás quando me farto. Um doce de pessoa, portanto. E, no entanto, esta gente que gosta de mim, gosta mesmo de mim. Extraordinário e um bom exemplo de total falta de discernimento dos meus amigos, pois tá claro. Só podem ser os melhores do mundo. Mesmo.
Obrigada mais uma vez.

E agora, siga para bingo, que se faz tarde e um gajo emociona-se e tudo o mais, até chora umas lágrimas de aparvalhamento, mas isto dos blogs só aguenta a lamechiche até um certo ponto e o meu já me anda a empurrar e a dizer, já chega, não?

Mas obrigada, é isso. São bestiais. Caramba, se são. Tenho mesmo imensa sorte. :)


Ficou tudo escrito no desenho abaixo

Ficou tudo escrito no desenho abaixo, agora é só colocar-lhe aqui uma legenda. Não há assim muito a dizer. Aquelas palavras são o que conta na minha vida. Também não há propriamente conclusões ou receitas, o que funciona para mim, pode não funcionar para os outros. Acho que é nesse lugar que me encontro, num certo distanciamento generalizado (é um facto) e uma maior concentração naquilo que me interessa, no que é realmente importante para mim. Não há dúvida que, não tendo qualquer problema em estar agora (provavelmente) a meio caminho da minha vida, há que começar a gerir o tempo que ainda sobra, destinando-o ao que – para cada um – vale mesmo a pena. Entendo agora que se deitem fora livros maus, entendo até que se larguem pessoas que não contam, porque o tempo é sempre curto demais, cada vez passa mais depressa e tem que ser bem empregue. A minha disponibilidade é, ao mesmo tempo, menor e maior, a mesma, mas mais bem organizada. E isso, parecendo simples, não é, há que se ser um bocadinho duro connosco mesmos, porque temos sempre tendência para nos perdermos no que não tem grande importância, em merdices e coisas que não valem a pena.

E é isso também, é o valer a pena. É saber (ou tentar interiorizar, pelo menos) que é isto que temos. Não há mais mas o que temos é imenso, é uma vida inteira (da qual já gastei metade ou assim) e dá para montes de coisas. Podem ser boas ou más, mas têm sempre que valer a pena seja por que razão for. Têm que ser intensas, têm que ser das que se agarram e apertam, das que se espremem, das que nos dão qualquer coisa, seja o que for, tudo conta no caminho para a sabedoria, tudo menos a mediocridade e as saídas fáceis. E temos que tirar alguma coisa delas, nem que seja saber apagá-las para todo o sempre, até pode bem ser. Mas um gajo tem que fazer alguma coisa pela sua vida, por si mesmo. Tem que ir lá, não pode ficar à espera que a vida aconteça, senão só acontece ao lado, aos outros, e um gajo sempre ali especado, feito parvo, a ver passar tudo e a queixar-se que a ele não. Eu não sou esse gajo, sou eu, outro gajo, gaja, pessoa, tanto faz, que adora esta vida, com tudo a que tem direito, nem que seja à biqueirada.

E são os outros. Claro. São, acima de tudo, os outros. São as pessoas importantes para nós, os que amamos, os que admiramos, os que nos servem de exemplo, os que nos ensinam, os que vão à nossa frente, são os que dependem de nós, os que protegemos, são os outros. Sempre. Eu gosto tanto de pessoas! Já sei, digo isto tantas vezes, chamem-me parva, lírica, confiante demais, acredito no pai natal, mas eu gosto de pessoas. Gosto delas genuinamente, acho sempre à partida que são riquíssimas, que valem a pena, acredito nelas, acredito no bem que as pessoas têm dentro. E, curiosamente (também digo isto muitas vezes) não me dou mal. Antes pelo contrário, tenho visto algumas bestas, até muitas, mas sinceramente? Passam por mim, de lado, mesmo que choquem de frente num dado momento. Acho que o facto de gostar tanto de tantas pessoas maravilhosas desfaz por completo o efeito nefasto momentâneo que uma ou outra – das más – produza. Se calhar vejo tudo a preto e branco, mas acho que não, acho que vejo as cores todas e escolho quais quero ver mesmo bem e quais ignoro e esqueço.

E acho que é por isto tudo que sou uma pessoa feliz e tenho tido uma vida estupenda, cheia de coisas boas, com imensa sorte, com imensa gente, com imenso tudo. E se pensar que ainda tenho mais outro tanto de tudo isto, é mesmo muito muito bom.



o som da escrita selvagem

Oiço ao longe. Não interessa que esteja perto, porque podemos colocar o som onde quisermos. Se eu quiser posso virar o mundo do avesso, de pernas para o ar e andar a fazer o pino o tempo inteiro, basta escrever mundo do avesso de pernas para o ar e fazer o pino o tempo inteiro e já está, virei-o ao contrário. É tão simples. Ou é da hora ou parece-me ter descoberto qualquer coisa que já deveria ter descoberto há muito tempo. Não preciso de arrumar nada, não preciso de colocar nada no sítio certo, não há regras. No fundo, sei que sim, que é isso que vou fazendo, mas nunca com tamanha convicção de que basta isso. Não é preciso mais nada, só deixar correr os dedos sobre as teclas. Com sorte, serão as certas. Com sorte, alguém ouve o mesmo som. Mesmo ao longe.
Mesmo ao longe.


agarrar os fios

Era isso que estava a tentar fazer, agarrar um qualquer fio que se pudesse desenrolar em frases e parágrafos, mas não leva a nada, acabo pendurada nos cabos de alta tensão. Logo eu que sou tão cabos subterrâneos, parabólicas e satélites, sinais estranhos na atmosfera e que consigo ouvir o som que as botas dos turbanões fazem sobre o metal dos pedaços das juntas. Mas consigo também imaginar-me pendurada num cabo de alta tensão com os turbanões das forças especiais a tentarem arrancar-me os dedos, um por um, sempre invisíveis para eu pensar que só estou a escorregar, quando na verdade estão ali eles a empurrar. É sempre assim, há sempre um turbanão por perto a tentar desencastrar qualquer coisa que esteja razoavelmente bem encaixada, que isso é que dá gozo e, fosse eu um anão praticamente invisível e de tendências menos dadas à bondade do mundo, faria exactamente o mesmo. Aliás, só não sou um anão praticamente invisível, é a única diferença, parece-me. Daí que, enquanto ali estou pendurada no cabo de alta tensão por andar a tentar agarrar fios de escrita e os turbanões se divertem a tentar empurrar-me os dedos, eu faço o que fazia às formigas quando era pequena. Um por um, enquanto estão distraídos a trepar-me pelos dedos acima, vou esticando um indicador e trau, mais um turbanão todo esmigalhadinho.

É um facto que são muitos. Mas eu, para além de ser maior, inventei-os.
Temos pena.


Os pássaros do elefante

(deste elefante)

Até podiam ser outros, mas quero-os ali, na ilha do meu elefante, agora, para os conseguir ver. Não estiveram sempre ali, claro. Voaram, são pássaros sem problemas de comprimento de pista. Voaram e aterraram ali e ninguém deu por nada; chegaram a meio da noite quando o elefante dormia depois de ter completado os wus que se tinha proposto fazer e que estivesse acordado, teria sido a mesma coisa: talvez uma mancha contra as estrelas, vaga como um pedaço de nevoeiro que se levanta do mar. Mesmo eu, que sei que ali estão, tenho alguma dificuldade em distinguir-lhes as asas, já que são pássaros-camaleões-de-céu. Oh, primeiro pensei em pintá-los de uma cor qualquer, ficava mais bonito talvez, contra um céu de outra cor, assim à laia das caixas de cartão onde se guardam lenços brancos e risca cinzenta. Mas esta minha mania de querer à força pintar também com água do mar, como Alessandro Barricco, obriga-me a pintar os pássaros da cor do céu. Nem sequer é original, mas é assim que os quero, imóveis e silenciosos, em redor do elefante adormecido e já as cores a mudarem para cor de areia às escuras.

Não sei bem o que lhes fazer agora, já que me fintaram do meu quadro de voo contra o céu. É sempre assim, nunca sabemos e, quando o inesperado acontece, imobiliza-nos da mesma maneira que aos pássaros, completamente aparvalhados a olharem para um elefante voador numa ilha que nem pista decente tem, a fazerem contas a velocidades de arranque versus pesos. São pássaros, está-lhes nas penas toda a teoria e prática de engenharia aeronáutica e aquele aparelho de orelhas compridas e tromba não é, de todo, um objecto que possa ser considerado, assim à partida, como alado.

Temos pois aqui um impasse, digamos, literário. Autor e personagens imóveis, uns mais visíveis que outros. Só falta o elefante abrir os olhos e olhar para aqueles pedaços de céu ali ao lado na praia. É esta surpresa absoluta que nos tolhe, muitas vezes, a escrita. De repente, nenhum de nós, todos os desta história, entende exactamente o que se passa. É até provável que se nenhum de nós se lembre que ali chegou a voar. Por enquanto.
E é bem provável que eu termine esta história um dia destes. Quando o formigueiro da imobilidade se começar a fazer sentir. Quando este longo voo solitário terminar.

Quando a minha escrita abrir asas outra vez.