Eu explico:
O que está na moda são calças de ganga com botins por fora, de preferência com salto alto e a pele por dentro dobrada na ponta, sweat-shirts às cores da feira de Carcavelos e samarras, esse casaco tão invejado e ambicionado pelas meninas que não os têm e berram com as mães que não vão de kispo nem pensar, nem mortas, então assim só vão de sweat-shirt que nem está frio para Dezembro ou Janeiro. Os cabelos são todos iguais, um nadinha escadeados ou lisos enrolados para dentro, pelos ombros, risco ao lado e umas franjas que vão até ao queixo e têm de ser tiradas da cara a cada dez segundos com um movimento da cabeça para trás. Muito colar de pele com coisas de metal penduradas e argolas nas orelhas e um namorado com moto, cinquentas de escapes de rendimento, tudo sem capacete a bater com os cornos nos postes da Marginal e a morrerem que nem tordos aos desasseis anos, uns dias depois de se atreverem a pedir namoro na última festa da garagem dos pais do não sei quantos que foram passar o fim de semana a Paris ou a Londres e
– olha desculpa podes vir cá fora?
– tá bem.
– queria ter uma conversa contigo
– diz
– aceitas namoro?
– sim
e um beijo meio estúpido a seguir e a rapariga toda contente ou a arrepender-se logo amargamente com a qualidade ou falta dela do dito beijo que sela o namoro e a pensar já que agora vai ter de manter aquilo durante um mínimo de três semanas, que é o tempo de namoro tradicional para não dar mas não ser considerada puta pelo grupo, coisa odiosa porque depois já não há pedidos de namoro, há curtições com os namorados das outras o que é divertido mas fica-se sem amigas para treinar a parte de enrolar os braços e atirar um deles ao ar no quarto, enquanto se comparam franjas e se conversa sobre as outras putas que acabaram ao fim de uma semana, entre festas de fim de semana, em casa umas das outras, depois das aulas.
Para ti, Vieira, que me abriste a caixinha das memórias, com a tua música. Obrigada.