Numa das minhas noites de insónia, dei comigo a pensar num livro. Vagamente, só me lembrava que o herói andava para trás e para a frente numa estrada até a um fim do mundo, herói esse um miúdo ou coisa parecida, e mais umas quantas coisas de reis bons desaparecidos e magos maus que tinham tomado o poder. Ou assim. Coisa de quatro da manhã, luz fechada, voltas na cama. Lá me levantei para ir procurar, sempre se ocupa o tempo que teima em não passar quando é de insónias.
Encontrei o que pensava ser e recomecei a ler um livro (o primeiro de uma trilogia, isso eu sabia que era; estes livros regra geral são em trilogias ou, mais raramente em séries de cincos; números pares lembro-me de alguns, aos dois, nunca aos quatro) mas a história não batia nada certo. Para falar verdade, nem batia certo nem errado, não me lembrava de nada daquilo, mas desculpei-me com os anos entre a leitura e o agora e a memória que não dá perdão a esses anos, ou então o contrário. Fosse como fosse e também não era nada cedo, até me interessei, dentro do interesse relativo da tal hora tardia. E depois, o autor, o autor, tinha ideia que não era mau de todo. Publicado em Portugal, que eu saiba, só o piorzinho dele, por modas arturianas, uma série de cinco (lá está), o Pendragon Cycle (não sei como se traduziu isso) dos quais não passei do meio do segundo, creio eu, depois de mastigar a custo o primeiro. Não era mau, mas estava tão farta daquilo e era o tempo dessa moda, o que cheirasse a Avalon era sempre bom. Culpa da Marion Zimmer Bradley, claro, mais as suas Brumas que não havia Natal que não aparecessem num sapato ou noutro. Também não era mau, mas há melhor. Não me lembro é agora e, de qualquer forma, não estou para escrever sobre assunto que ainda hoje me farta. Mas então e voltando ao autor dos tais que recomecei a ler por engano e dos quais não me lembro nem do resumo da contracapa, Steven Lawhead e estes o Dragon King Saga. Até estou curiosa e lá hei-de regressar, um dia com tempo: é raro não me lembrar de absolutamente nada, mas entretanto passam outros à frente, se falamos de releituras: o Empyrion, dois volumes (aqui neste autor há tudo menos em quatros, só para me contrariar no que escrevi mais acima), extraordinários, li e reli e tornei a ler e não me canso daquilo. Para quem gostar de fc, evidentemente, o autor aqui já muito longe do sword and sorcery e ainda mais do arturiano do costume. Falta referir outros que não li e por isso mesmo ficam de fora e ir a correr para o Dream Thief: também me lembro pouco, isto assim em crítica literária não teria futuro eu, mas também não é essa a minha preocupação ou ensejo (cruzes canhoto!): mas sei que, na altura em que o li, bateu com força. Não se pode dizer que é assim fc do mais clássico, não é: um fantástico meio aterrador; e depois coisas de sonhos tratam do imaginário por si mesmas. Muito bom, a reler em primeiro e é já a seguir (na próxima noite de insónias que é para nem conseguir adormecer de todo…pensando melhor talvez à luz do dia seja melhor opção).
Tudo isto para chegar aos tais livros do rapaz para trás e para diante. Empoleirada num escadote a dar a volta às estantes. O problema do espaço ou da falta dele é arrumar livros em três filas até à ponta da prateleira. Para ver os que estão atrás o método é tirar alguns da primeira fila para o lado e ir andando com os outros para cá e para lá até conseguir ler as lombadas todas da fila seguinte; depois aplicar o mesmo método à segunda fila para conseguir ver os livros da terceira. Isto significa que, ao fim de meia dúzia de pesquisas, não há livro que esteja no sítio e, no caso das trilogias, encontra-se sempre o último em primeiro lugar (é um princípio de Peter): foi o que me aconteceu; e lá me apareceu então, apenas por instinto de é isto, é isto mesmo, não me lembrava do nome do autor de todo: claro, porque não escreveu coisa nenhuma que eu conheça senão esta. Mike Jefferies e veja-se que, da pesquisa no Amazon, aparentemente escreveu a continuação. Bem digo eu que para crítico literário vou ali e já volto, mas digamos que em terra de cego e tal e duvido que mais alguém (em seu perfeito juízo) tenha trocado os clássicos por leituras assim, nos tempos em que havia mais tempo para ler (mas que, não sendo infinito, haveria sempre qualquer coisa a ficar pelo caminho). Adiante. Loremasters of Elundium, e o rapaz chama-se Thane. A reler e este sim, já aqui ao meu lado, ainda hoje se possível. Provavelmente não deveria: a opinião que leio aqui é fracota, gente que também leu quando era mais novo e sofreu uma decepção uns anos depois. Datam os meus de 1990, já lá vão uns anos. Acabarei por ler em diagonal: mas quero mesmo confirmar a minha ideia de existir uma parcela de sacrifício nesta história. Não de ir às lágrimas, mais coisa de espinha dorsal. Não é usual no género (refiro-me ao sacrificio, porque espinha dorsal todos os heróis supostamente devem ter).
Todo esta verborreia para chegar ao post em si:
Ali estou eu, no cimo do escadote, livros para um lado, livros para o outro, tira uns, volta a enfiar no espaço disponível já fora de sítio, mãos pretas de pó que limpar a última fila é quando se muda de casa ou de estantes ou as estantes de sítio, a ler lombadas, a ver lombadas partidas de uso e mais voltas, as páginas amareladas, as capas fanadas (o paperback não tem qualidade nenhuma mesmo) e penso: nunca, nunca mais vou reler isto. Não tenho tempo nem para ler o que ainda não li e que gostava de ler, não vou ter para reler o que gostei mas não me parece que valha a pena o gasto de tempo. E é nisto, nesta realidade que bate de vez em quando na prática (porque na teoria toda a gente sabe que não se vai para mais novo) que uma pessoa vê que o tempo não é – de todo – aquela carpete que se estendia sem destino para lá de portas invisíveis.
Agora já se vislumbra a ombreira.
É fodido.
(13.02.06)