100nada

Às seis da tarde

e numa sexta feira, eu sei que é hora de ponta e as pessoas tem mais que fazer. Eu parei num semáforo verde, à saída da Praça de Espanha e não arranquei. O taxi que vinha atrás de mim apitou-me meia dúzia de vezes. Um autocarro a seguir, ultrapassou e algumas das pessoas que lá vinham dentro mandaram-me à fava ou pior.
Gostava agora de ter escrito outra coisa qualquer. Que toda a gente tinha parado, ou assim…um post de silêncio, um minuto de silêncio, caramba! É assim tanto tempo? Custa assim tanto?
Mas não. Fiquei dentro do carro, parado, a ficar muito vermelha de impotência e raiva e provavelmente vergonha (vergonha? sim, vergonha, de estar a fazer figura de urso) e a sentir que me estavam a chamar estúpida. Se calhar até fui. Mas fiquei ali até passar o tempo. O semáforo caiu para vermelho.
Não adiantei nada a ninguém.

0 thoughts on “Às seis da tarde

  1. vitriólica

    Eu teria feito e sentido a meswma coisa. Vergonha por si, ou pela insensiblidade/egoísmo/falta de solidariedade dos outros?
    Eles não podem perder um minuto na vida… muitos espanhóis foram roubados de todos os minutos de vida que os familiares mortos levaram com eles.

  2. aZELha

    Se fossemos todos como tu tinhamos sabido desse minuto de silêncio.

    Na RTP, numa reportagem no jornal da noite, apelidava-se subrrepticiamente de egoístas e alienados aqueles que não pararam nem pensaram que aquele minuto de silêncio no “El Corte Inglés” era uma homenagem às vítimas do atentado. É que se calhar há mesmo uma necessidade nossa de culpar alguém.

    Ninguém sabia desse minuto de silêncio.

  3. duende

    O facto é que poucos sabiam desse minuto de silêncio, Catarina. E há que convir que às 18H00 é uma hora péssima para este tipo de manifestações. Sim, estou a ser pragmática. Cumpri-o mas não posso condenar os que não o fizeram. E até ir mais longe e dizer que não resolve nada e que todos sabemos disso.

  4. Vieiradomar

    Aconteceu-me exactamente a mesma coisa, só que não foi num semáforo. Parei o carro, saí e encostei-me à porta. Tive as mesmas reacções. Mas reparei que ao pé de mim, várias pessoas fizeram o mesmo. Não acho que as pessoas não soubessem: o minuto de silêncio às 6 da tarde foi amplamente difundido pela comunicação social, ao longo do dia todo: pura e simplesmente, ou não quiseram saber (o que acho mal), ou não acharam importante parar (o que respeito), ou não o quiseram deliberadamente fazer, para marcar posição contrária (o que me enoja).

  5. catarina

    Pode realmente ter sido por ignorância, mas eu também creio que muita gente saberia. Mas não sei se será por indiferença, como pensei ontem, quando escrevi o post. Acho que os portugueses têm vergonha. De manifestar publicamente este tipo de solidariedade, de fazerem figuras de parvos: enfim, de parecerem ridículos. São capazes de ir a uma manifestação, porque que sentem mais confortáveis nos números, mas não gostam muito de fazer gestos solitários que sejam motivo de escárnio dos seus pares. Não sei se é isso, mas penso que também conta.

  6. soinico

    Esqueci-me do minuto de silêncio. Provavelmente, e dado o meu dia, até posso ter estado em silêncio, mas não conscientemente. A verdade é que essas coisas não mudam nada, mas também é verdade que, muitas vezes nas nossas vidas, são os pequenos gestos e estes pequenos períodos de tempo que fazem diferença e demonstram o que é importante: NÓS IMPORTAMO-NOS!

  7. duende

    Talvez, Catarina. Depois de ter escrito aquilo de que não resolvia nada, lembrei-me de todas as formas com que nos manifestámos por Timor. Foi, algo, realmente impressionante e tive orgulho de nós. Até porque resolveu alguma coisa. O terrorismo é algo que sabemos não ter rosto, é algo que nos deixa uma incrível sensação de impotência. Penso que grande parte das pessoas pensará exactamente que para este caso, este tipo de manifestações de protesto nada resolve. Este inimigo está-se borrifando para a vida quanto mais para as manisfestações de solidariedade. Ainda ontem ao ver as imagens dos 2 milhões de espanhóis, pensei nisso. Até se devem ter rido…

  8. duende

    Ou então há uma explicação muito mais simples se bem que não goste dela. Os portugueses estão com medo de se manifestar. Estão com medo que lhes bata à porta. Não sendo bonito, é capaz de ser legítimo, sei lá.

  9. catarina

    Duende, nem tenho quaisquer dúvidas. Quem mata inocentes, só se pode rir de uma manifestação de solidariedade. Quando muito, pensaram, olha, causamos mesmo impacto…nem preciso de continuar esta linha de pensamento, pois não?
    Em última análise, não adianta nada para o terrorismo. Só adianta, como diz a Soinico, para nós mesmos. E talvez para os familiares das vítimas. E talvez para que as pessoas se sintam dentro da raça humana, para não se sentirem sós na dor e na raiva. Não sei.

  10. catarina

    Pois é, Du, nem é nada que não me tenha já passado pela cabeça…como ontem escrevi, num comentário que deixei no Anarca: ‘os Açores até é mais americano que português, eu até estava na fotografia, mas foi só mesmo de anfitrião…’. Li, já nem sei onde, um post lixado…não, não foi post, foi um comentário assumidamente muito politicamente incorrecto numa das notícias do Expresso: ‘pode ser que eles pensem que Portugal faz parte da Espanha e nos deixem em paz…’. Fodido, hein?

  11. Pedro Lima

    Acho que fizeste bem e que foi útil. Estas coisas não se medem no imediato. Muitas das pessoas que passaram por ti ou apitaram, hão-de perceber mais tarde, nesse mesmo dia ao liagarem as TV’s, ou no dia seguinte quando alguém falar no minuto de silêncio. São coisas que sedimentam na cabeça das pessoas.
    Os meus parabéns pela coragem.

  12. Naza

    Eu parei e fiquei em silêncio ás 6 da tarde de sexta-feira. Mas outros minutos de silêncio já eu tinha feito ao ver as imagens que chegavam através dos vários canais de tv. Assim como respeitei o minuto de silêncio a quando de Timor e fiz muitos antes e depois desse, assim como fico em silêncio quando me chegavam imagens do Afeganistão, assim como quando me chegam imagens do Iraque, assim como quando me chegam imagens do Menino Azul, assim como quando me chegam tantas imagens em que a cidade, vila, aldeia ou país,não têm importância, mas sim e sempre o de ver um rosto humano que sofre. Infelizmente, vai sempre haver alguém entre a multidão que passa indiferente á dor dos outros. O mundo é feito disso mesmo. Dos que sentem e choram e dos que fingem não ver para não chorar. Beijinho.

  13. Francisco

    Não foi só a ti que aconteceu Catarina, aqui no meu canto, onde ninguém me vê, cumpri o minuto e, o meu próprio silêncio, permitiu ouvir o alarido lá fora, a ausência de silêncio.
    Mas também não precisei que ninguém me visse, nem de impressionar terroristas, fui coerente comigo e bastou-me, da mesma forma que fico em silêncio quando culpam presumíveis inocentes e se ilibam presumiveis culpados

  14. insensatez

    eu soube do minuto e não o cumpri. não porque não o pretendesse. mas é difícil, sim, respeitar um minuto de silêncio com 30 crianças dentro de uma sala. 😐

    de qualquer das formas, acho que aqui o problema vai além disso. é uma questão de mentalidade. tenho conversado com várias pessoas que concordam que, a ocorrer uma situação destas em Portugal, os portugueses não saberiam ter a mesma dignidade e a mesma coragem para imediatamente enfrentarem ao desastre.

    o povo português é desorganiado e desunido, e acima de tudo tem medo disso tudo, de parecer ridículo, de passar vergonhas, de perder tempo com coisas que não lhe dizem respeito. mas é pena. saber que casou houvesse terrorismo em Portugal não haveria taxistas a oferecer-se para gratuitamente transportarem pessoas aos hospitais. por exemplo.

  15. Marrevolto

    Eu também parei Catarina, claro que valeu a pena, por nós e por outros desapaixonados não politiqueiros. E principalmente por todos os que muito sofreram, com a perda dos que amavam