100nada

Janeiro seis

Não, não me comovam. Não mexam comigo. Não me toquem, fiquem à distância que me impus, um braço esticado com a mão em pára, o lado de lá do muro, um quilómetro ou um oceano de distância, fiquem lá e eu aqui, não mexam comigo. Não quero senão o meu barco de papel à deriva, nunca pedi cruzeiros, não preciso de mapas. Deixem-me estar ou ir, não quero amarras, não preciso de portos de abrigo, quero tempestades sozinha, silêncios vazios, não mexam comigo. Deixem-me ficar a dobrar cantos até conseguir dobrar tanto que a folha se transforme num barco onde só caiba eu e não se desfaça na água, não quero acabar a boiar. Deixem-me ir assim num faz de conta que nunca estive, que nem se deu por nada, um papel dobrado em branco que já mal se vê na rebentação.
Não, não me comovam. Não mexam comigo. Não me toquem porque me desconstruiria, os muros todos feitos areia e deram muito trabalhinho a erguer.

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