100nada

E íamos a caminho do Natal, não era?

A minha árvore de Natal já é velhinha. Falsa, mas das falsas boas. Todos os anos, quando abro a caixa e sacudo mais pó e umas quantas agulhas de plástico, penso: se calhar comprava-se uma nova. Mas depois entre as novas falsas, mais feias e tão mais caras que uma caixa na arrecadação, concluo, não vale a pena; e volto à minha. Até porque aquela árvore tem uma história. É a segunda árvore do mesmo Natal. Há dez anos, a primeira foi de carro até outro sítio, onde não havia árvore, para montar um Natal. Marcam ambas esse ano, o de mais uma criança. Não me quero desfazer dela.

Os ramos todos espalhados pela sala, por tamanhos, a fúria de encaixar o princípio, que leva sempre umas unhas e algum vernáculo relacionado com a dificuldade propositada de tal invenção. Os ramos colocados alguns já com umas marteladas, que o material vai entortando com os anos. Agora dá-me os cincos amarelos, não, este é branco quatro, só vem depois. E que sim, a parte de cima podes montar tu, mas tens que abrir os ramos antes, isso assim mesmo.
E varrer o chão todo depois, que cada ano o pinheiro fica com mais agulha caduca.

Não é uma árvore elegante nas cores, é uma árvore com tudo o que se lhe vai pondo. Bolas de todos os anos, bonecos, coisas que se escolheram ao longo do tempo. Os enfeites importantes que todos os anos se compraram, escolhidos com gosto infantil, sem censura. Os oferecidos, feitos no infantário, a estrela de esferovite pintada com tinta e lambuzada de purpurinas, o anjo agrafado, mais uma estrela de outro ano. Os fios e a ausência propositada de luzes. É uma árvore à antiga, quando se abriam todas as caixas e se decidia o que colocar naquele ano, o que se deixava para o ano seguinte, como ainda fazemos. As coisas mais feias para o lado da parede (a única censura maternal), a altura aumentada todos os anos até onde se penduram uns 80% dos enfeites, nos primeiros anos caia tudo, só nos ramos de baixo.

Depois o presépio da Playmobile, numa mesa ou numa prateleira. Durante uns anos, foi um presépio visitado por dinossauros, crocodilos, baleias e leões e todos os demais bichos que fossem de tamanho semelhante. Outros anos era a mesa de todos os playmobiles, índios, piratas, polícias e, em calhando, os dos legos. Depois ainda apareceu um Pai Natal com prendas (mas sem renas, nunca tivemos esse) e acabou por ficar cada vez mais pequeno, o presépio, à medida que a idade aumentava e passou à prateleira mais perto da árvore.

No fim, o resto da tralha, a coroa da porta que nunca se conseguiu pendurar, as velas que nunca se acenderam e mais umas coisadas que nunca sairam das caixas, afinal não tinham graça nenhuma. Ou eram de pendurar e não havia sítio ou eram de acender e não havia tomada. Mas sempre, sempre, no fim, tudo tão bonito e natalíco para se começar a encher tudo de papéis e fitas e etiquetas e, no fim da noite, em completo silêncio, se embrulharem as coisas que se iriam oferecer.

Parece tudo uma memória e é. Este ano a minha árvore e o meu presépio ainda estão arrumados, à espera que seja Natal, talvez. Para compensar os anos em que o Natal seguiu por Janeiro fora sem coragem de desmontar. Calhou assim, adiou-se este ano, de maneira que, com algum medo que chegue o dia e passe para o ano seguinte, montei aqui o Natal em palavras.

O Natal, no fundo, está dentro de nós, não é?

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