Sobre malas espalhadas na rua
Passei por uma mala de roupa aberta no passeio e várias peças espalhadas no chão. Há uns dias já e não consigo separar essa imagem do tipo que vi embrulhado num cobertor (nesse primeiro dia de há uns dias). Mas a roupa da mala era de senhora e penso que talvez estejam ligados, esses dois acontecimentos, apenas por serem pedaços de vidas sem-abrigo.
À quarta ou quinta vez que por ali passei e sem rigorosamente nada a ver com aquilo que se passava no chão, antes porque alguns pensamentos (questões? conclusões? reflexões?) ficam sempre marcados com a imagem física do momento, mesmo que não estejam ligados de forma alguma (sim esta frase acaba aqui, que me esqueci de escrever o resto, mas segue na próxima). O caso é que, quando se está a roer qualquer coisa, o pensamento vai para um lado e uma parte da atenção tem que se fixar noutro lado qualquer, o visual sendo o mais fácil, senão ainda se perdem neurónios na eventual explosão. E os neurónios são bem escasso, cada um que desanda, é menos um e não há lá outro de substituição.
E ali, entre a mala e a roupa e as coisas espalhadas, pelo chão e por outros lados, tantos, tudo baralhado e misturado, coisas assim roubadas ou dadas e deitadas fora, a memória de um homem embrulhado num cobertor a afastar-se, tudo separado, tudo ligado, tudo sem nada a ver e tudo o que se aproveita em imagens, pensei que as coisas são assim e são como são. E não vale a pena uma pessoa desunhar-se a desviar-se, porque se está ali não adianta olhar para o outro lado da rua e fazer de conta que não está. Só existem malas espalhadas pelo chão, porque há chão – e malas (que é uma conclusão pouco filosófica mas prática).
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Uma vez perdi uma mochila com roupa. Na altura, fiquei um bocado chateado, mas passou-me rapidamente. Nada é nosso na realidade. Não imagino o que seja perder uma casa e dormir no chão ao lado de uma mala. Não imagino. No fundo só há mesmo isso – o chão -, e a ele voltaremos. Não. Não há nada de filosófico nisto, também; por outro lado, esta é a maior liberdade a que se pode aceder. E tal como escreve, o visual é mais fácil de se dominar. Fugir ao que vemos é fácil, mas o resto fica sempre em nós e lá permanece. E lá, como uma “memória de um homem embrulhado num cobertor a afastar-se” tudo se liga…
Quando as malas e as roupas são de senhoras, chocam mais. Afinal, não somos todos iguais. Umas são mais que outros.
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