Tangencial
Ao lado. Tangencial, devia ser paralelo, mas não é. É ao lado, como se torto, virado assim de esguelha, um bocado à má fila. Queria que fosse urbano, citadino, atrás dos caixotes do lixo das bombas de gasolina, misturado com pedaços de cartão e embalagens de detergente sem tampa. Quase se vê ali um tipo, é arquitecto e careca, está a ensinar a uma rapariga de sapatos na mão como é que se vomita com uma mão encostada à parede, assim não precisas de ajuda, vês? e a rapariga abre a boca e vomita os pés. Não era assim, responde ele e tenta limpar-lhe a boca, enquanto ela o empurra contra o caixote do lixo, deixa-me sozinha! deixa-me sozinha e vai embora pela rua, pés descalços sobre os cacos de garrafa que caíram fora do vidrão. Pensa agora que é a sereiazinha, sacode as conchas do cabelo, caem ao chão e parecem mesmo
pedaços de cartão e embalagens de detergente sem tampa.
O que é estúpido, já que ela não está em lado nenhum onde exista isso, porque isto era se fosse como queria, urbano, citadino, atrás dos caixotes do lixo das bombas de gasolina, mas não é. Não é como queria, é
tangencial
à má fila
o arquitecto careca desmonta cenários e pede que levem os vidrões com muito cuidado para não estragar os sapatos nos cacos
a sereia deita fora os sapatos, nunca precisou deles e arrasta cotos pelo cenário branco até ao fim do papel.
Depois debruça-se para o verso da folha e mergulha de cabeça.
- Óscares 2009: deram-me cabo do rapaz todo!
- As conas de Braga
Pingback: Catarina Campos
Ai que jeito que dá ter um vomitómetro sempre à mão. Aliás dois, um para gajas de sapatos na mão e outro para carecas. Sem tampas nem embalagens.
confessa que te inspiraste na nossa tarde no moinho.
pre, dá sempre jeito.
Clara, nem penses, já nem me lembrava. Aquilo (o arquitecto, ela de sapatos na mão, a aula de como vomitar com mão contra a parede, etc e tal sou – fui – eu ;))