Que me desligo e por aqui me penitencio
É verdade que sim, que me desligo. Nunca sei quando e nem sequer lhe noto o princípio. Um dia digo menos e no outro já quase nada, passam os dias, não conto que passaram tantos e eu calada, desligada. É um silêncio de retiro e de me retirar da frente e me colocar à margem. Não é importante que seja esta ou outra, calha que é aquela, calha que é naquele momento. Não sei porque é assim, mas sei que é desde que me conheço. Saio um tudo nada, aparentemente ainda ali estou (depois já não) e tudo parece exactamente a mesma coisa para quem está perto (mas sabem que não é exactamente a mesma coisa, que me desliguei e, quem me conhece bem, não liga, nem me invade o espaço, deixa correr que eu já volto).
Egocentrismo, sobrevivência, há quem a encontre noutro lado qualquer. A minha depende sempre dos meus silêncios interiores, dos meus interruptores. A intensidade com que aprecio os dias inteiros e o meu equilíbrio é mantido por extremos. A minha felicidade precisa desse lado de sombra, de solidão. Uma e outra, encontro-as em todo o lado, debaixo das árvores e dentro dos livros, nas primeiras chuvas, nas ventanias fortes, nos dias azuis ou nos dias cinzentos, nos textos que leio, nos textos que escrevo, nas coisas que vejo, nos locais onde passeio, na realidade e na imaginação. Vivo muito bem comigo, tão bem que – e por aqui me penitencio – não é nada, mas nada fácil viver comigo seja a que título fôr. Não sou capaz de me prender e desligo quando me vejo demasiado amarrada: quem é assim, como eu sou, falha sempre a alguém (a todos menos a um que vive dentro do meu abraço), porque pode muito bem existir um momento coincidente em que alguém me chama e eu, eu já nem oiço, perdida dentro do lado de lá.
Por aqui me penitencio (mas não mudo, é assim que eu sou e não posso ser de outra forma).
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- Semáforos vermelhos e as montras do Rossio