Conto de Natal (1)
Era uma vez…
um menino pobrezinho que vivia numa aldeia perdida onde não havia televisão nem BB nem nada…Um dia na loja da aldeia, cuja montra apresentava, no meio de pó de décadas, postais ilustrados a preto e branco de cantos enrolados e amarelecidos, caixas de remendos de pneus de bicicleta, piaçabas e bacias amarelas e azuis, e uma vassoura num canto (onde viviam quatro famílias de aranhas que se davam todas lindamente), apareceu…
…um milagre!
Era uma caixa larga e baixa, que tinha na tampa o retrato de um menino a estender as mãos para uma lareira e uma lágrima muito redonda e transparente a correr pela bochecha vermelhinha abaixo…e por cima, uma palavra que o menino pobrezinho e sem escolaridade (a escola mais próxima era a vinte quilómetros, não havia estrada e o menino também não podia ir, tinha de ajudar o pai no pequeno campo enregelado de madrugada, onde a custo sobreviviam umas batatas e umas couves) conseguiu soletrar devagar (à noite, a mãe ensinava-o a ler com o livro que lhe tinha ficado de herança, juntamente com dois lençóis de linho, de uma senhora em Lisboa, onde tinha servido, até se casar com o primo Ernesto, depois de descobrir que as esperanças num risonho futuro a dois, que lhe tinha dado na Festa de Nossa Senhora dos Prazeres, tinham passado à realidade):
C-h-o-c-o-l-a-t-e-s.
As cores da tampa brilhavam e resplendiam no meio do pó da montra, e pareciam ao menino pobrezinho que deviam ser assim as luzes de Natal desse país maravilhoso, que a mãe descrevia, essa Lisboa mergulhada em luz e brilho, em música e ouro, esse país impossivel onde não havia geada quando se levantava à hora em que ainda havia estrelas no céu, onde os dedos não se tolhiam na lama que cobria as batatas, onde meninos iguais a ele sorriam durante todo o dia e iam a um sítio especial onde lhes ensinavam coisas, coisas que ele queria desesperadamente saber, porque é que a lua tinha tantas caras, para onde iam as andorinhas no Inverno, porque é que as batatas morriam todos os anos…aquela caixa era o símbolo do paraíso. E o menino pobrezinho estendeu as mãos para a montra e uma lágrima abriu um sulco na lama que lhe cobria o rosto.
E nesse preciso momento…
(à suivre)
- Conto de Natal (prólogo)
- Conto de Natal (2)
acho que está mal
acho que está mal
acho que está mal