100nada

Os fios que nos prendem

Largar o corpo, era preciso largar o corpo. E escrever directamente com a
mente, com a imaginação, à mesma velocidade do pensamento, para que o resto, aquilo que se perde na hesitação, talvez o melhor, se não perdesse. Esse talvez melhor fica para talvez depois, talvez agora não, talvez seja demais, de menos, irrelevante, sem interesse, talvez seja muito eu, talvez seja excessivo, ridículo, triste, palerma, talvez não gostem, talvez se riam, talvez chorem, talvez achem mal, talvez achem errado, talvez seja polémico, talvez seja incómodo. E esses momentos que seriam talvez os bons, censurados pela hesitação perdem-se na contagem até dez, no cinismo a ganhar à inocência. Se calhar não devia, vou parar aqui, pensar melhor nisto, vou ler outra vez…apago tudo. E quantos de vocês é que já apagaram assim as melhores coisas que já escreveram? Quantos de vocês é que já apagaram assim
as melhores coisas que poderiam ter feito?

Tenho um quadro que vive na minha memória. Apaixonei-me assim que o vi. O
autor, pintor nas horas vagas, ofereceu-mo quando percebeu, mas faltava um
não sei quê na tinta, acabamento, verniz, sei lá, não o levei logo. Ele olhou para ele uns tempos, decidiu que era pouco. Não achou que era mau nem bom, não sabia. Achou pouco. Pouco. Não era uma pintura, era uma coisa que ele fazia para se entreter, ele nem era pintor…pintou umas flores por cima, uma coisa mais banal, mais segura. É bonito, sim. Mas o meu quadro desapareceu por baixo, já não existe.O pintor teve vergonha de não ter qualidade…precisaria de mais do que ter tocado a alma de alguém? É preciso mais?
Em minha casa haverá sempre uma parede branca para aquele quadro.

0 thoughts on “Os fios que nos prendem

  1. Ofélia Queiroz

    Como um quadro que eu disse ser horrível (por pudor…) e que sei bem que é lindo.
    Vamos lá a saber então: quando não tem assinatura, é a minha homónima, quando tem “AL” é outra pessoa qualquer… é isso? (esbarrei com este blog há pouco tempo, preciso de luzes!)

  2. catarina

    É isso mesmo. Depois há-de ter dois usernames e eu passo a assinar com o meu nome outra vez, mas agora é a solução provisória que se conseguiu para esta nova parceria.

  3. Rui MCB

    Desde que continue a haver espaço para um belíssimo “Anturios” como diria um personagem do ARTE ainda em cena no Villaret…

  4. Mário

    O pior são os lugares vazios no sofá que ficam para sempre reservados, mas nunca preenchidos…

  5. catarina

    Estica-te no sofá, Mário.:-) Enquanto por lá houverem lugares reservados, é difícil preenchê-los…um beijinho!

  6. Pedro Dias

    Vale apenas a última frase. O resto é confuso, me parece. Aquela frase brilha e me cai bem. Escrever não é fácil não…