Poeira
Há dias em que penso que sacudi a poeira toda.
Mas a poeira tem a mania de se acumular onde menos se espera. Encontro-a dentro de livros ou em frases que oiço ao meu lado. Está ao virar de certas esquinas ou em folhas antecipadas que caem das árvores. No piano que alguém toca ao fim da tarde ou entre o zapping dos canais da televisão. Em gavetas cuja chave se perdeu, em armários de vestidos pendurados por usar, em estantes dobrada no meio de folhas escondidas ao acaso. No perfume de alguém com quem se cruza na rua, no olhar de uma criança, numa dobra da minha pele, nos farrapos de um bolso lavado. Num risco de avião no céu, na espuma de um barco a partir, numa chave que não se sabe o que abre.
Todos os dias a lavo com água salgada, todos os dias me esfrego com uma escova de cerdas de aço.
Esqueço-me que não se podem varrer as poeiras que nos correm dentro das veias.
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- Só me faltava mesmo isto…
Há dias assim, em que apetece meter o aspirador na boca e pisar o botão.
Não resolve, já me mentalizei que só quando a alma sopra limpa a poeira do sangue. É por isso que vou treinando a minha para que nunca lhe faltem forças para o sopro. 😉
Não sei, Maré. Creio que há poeiras com as quais se tem de aprender a viver para o resto da vida.
É também do pó que nos circula nas veias que precisa o coração que as faz viver.
Atrevo-me a dizer uma estupidez… Mas essa poeira pode ser vista como as rugas… Às vezes incomodam, mas muitas até podem ter uma história para contar… E um sorriso, daqueles, que as lembranças trazem depois de terem levado a dor… No outro dia li num filme que nós nunca nos lembramos da dor, senão todos os filhos seriam filhos únicos! A questão não é soprar a poeira: pega-se em alguma para se tapar outra, ou simplesmente deixamos que len-te-men-te a nossa mente separe o joio do trigo…
nós somos poeira.
Creio que sim, Du.
Soinico: não foi estupidez nenhuma. Embora essa dos filhos talvez seja menos por esquecer as dores, mas por valerem a pena.
Provavelmente, Candida, nas veias dos outros.
Eu acho que gosto tanto de te ler (mesmo quando não gosto ;)) também por essa faceta itinerante q tens, de registos, de sentimentos, de humor.
um beijo