Era-eu
Estou a olhar para as minhas mãos. Sempre andaram adiante, as minhas mãos, a tactear o ar do tempo, as minhas mãos têm a minha idade. Passam pelo cabelo caído para a frente, agarram num copo, levam-no à boca, pegam num cigarro e no isqueiro e equilibram-no já aceso. E depois, poisam no teclado e escrevo sem linhas, sem horizontes, sem limites, deveria escrever sempre assim mas não escrevo, calha ou são escolhas, acontece. Não é todas as noites que se tem febre nem é todas as noites que se sabe que as únicas interrupções serão as que eu quiser nem é todas as noites que se ouve qualquer coisa que lembra casas vazias e coca colas pousadas no chão. Escolhas; hoje sou eu. Hoje sou era-eu. (e o blog é meu, também…esqueço-me…)
Estava em Sagres sentada no chão da sala a pintar as unhas dos pés de castanho escuro e eles entraram e eu continuei a pintar as unhas dos pés de castanho escuro e eles (uns que entraram) apresentaram-se e eu disse o resto deve andar por aí, eu sou a Catarina e eles, com bebés ao colo, olá, e eu tão longe disso, ainda, continuei a pintar as unhas dos pés de castanho escuro e eles a olharem e depois
e depois estou vestida de bola de espelhos como eles dizem a rir, a tirar fotografias, ai filha mas como é que tens um vestido todo aos espelhos e as sandálias também e estamos em Setembro a beber vodkas na varanda nova sobre o rio, claro que tiro férias no dia seguinte mas acham que alguém trabalha nesta cidade depois desta inauguração mas ninguém me há-de tirar aquele banco ao pé da entrada no antigo, vai ser sempre a minha segunda casa e nessa altura lembro-me de uns anos antes
daquela festa no armazém não sei quantos e eu directa do aeroporto a vestir-me no carro e a pintar os olhos e eles dizem estamos mais que a tempo e eu contente contente e nesse dia o vestido é um Azzedine Alaia branco contente contente e
abraço as paredes e digo-lhe és minha minha e depois fecho a porta e não volto a abrir porque não me apetece acartar com os livros e a porta fica fechada e o tempo passa e quando abro outra vez de lanterna na mão porque cortaram tudo entretanto já passaram anos mas continua minha e depois cola colas no chão de uma casa vazia e
desço as escadas com a minha saia de debute de armação e tudo mas o resto é preto e transparente e eles dizem-me estão a filmar e eu olho para trás é a ti estúpida o Trump’s é a discoteca com as mulheres mais bonitas de Lisboa e
de repente penso
era eu? Foda-se, era mesmo.
Tenho tantas saudades vossas…lembram-se quando fomos àquela festa na Azambujeira todos enfiados no jipe? E de regresso a Sagres, às quinhentas da manhã, demos boleia a um rapaz que vinha pela estrada de sapatos na mão? Lá atrás o J. fez-lhe um inquérito completo, creio que já devia ir com medo e nós todos a rir a rir…
…passo os olhos pelos meus amigos e encontro tantos vazios, tantos espaços vazios…não há um dia que não me lembre.
- Não sei
- O que eu sei
Egoisticamente quero que continues com febre e com saudades dos teus amigos.
Plim*
Alguns já eram, Du…
Concordo Du… sorry catarina
O nosso passado esbate-se um pouco mais, de cada vez que um deles desaparece.
Mas no presente nascem outros, novos… e tu para mim é um…
Não faz mal, que eu lembro-me.
Isso é que é importante, não é? É um grande egoísmo querer as pessoas para nós quando estão melhor ‘noutro lado’. Mas enquanto nos lembrarmos dos amigos, é como se continuassem a estar connosco.
Não se esbate, acho eu, fica de outra cor. Eu sei, pá, é como tu. :)Ai que grande choradeira! :,,,-))
:O mas, mas, mas, mas :O
São assim, as alegres madrugadas da blogosfera… ;-))
ou muito me engano ou eu era o rapaz que vinha pela estrada de sapatos na mão.
Não vou ás lágrimas, não vou. Por isso só te digo: ó mana, acartar não existe, é acarretar (não gosto nada da sonoridade no contexto…). Muitos beijos,
Edite.
Pois.
Quanto ao acarretar, eu sei que sim, mas ‘acartar’ tem mais ‘sonoridade’. E sim, é a palavra ‘rei-fora-do-baralho’ mas eu gostei dela ali. Beijos.
Mas a sonoridade de que eu não gosto é a da palavra correcta. Aliás, em nenhum contexto. Tem mais peso. deve ser do “re”, opõe resistência.