Quatro dias
Este exercicio, mesmo quando nao tem nada a ver com a contagem obvia do tempo que falta, é sempre sobre o tempo. Obriga-me a pensar nisso. Nao é por estar em crise macaca de meia idade, porque na realidade nao estou. Ou como diz a minha avo, nunca estiveste tao bem, minha filha; nem tao bonita. Quando uma avo diz uma coisa destas, é para ser levada a serio. Até porque a minha avo, aos oitenta e cinco anos, disse a toda a gente: se ninguem me leva a ver o filme de Cristo, vou sozinha; so preciso que o cinema nao tenha escadas. Fui operada à outra catarata, sim, nao disse nada a ninguém! e custa-me um bocado ver os degraus. E foi. Depois disse-me: as pessoas nao gostam, mas foi mesmo assim. Chorei muito…mas gostei. é sobre Cristo, filha; ele sofreu muito, mas vem na Biblia. Sabes filha, as pessoas sofrem muito a ver o filme e sentem-se mal e até saem do cinema a meio, disse-me o senhor que me mostrou o lugar. Mas eu penso que essas sao as pessoas novas que ainda nao viram muito sofrimento. Eu tenho oitenta e cinco anos; vi muito sofrimento, muito. Vi muitas pessoas de quem gostava muito a sofrer, vi a coragem delas até ao fim. Quando o teu avo morreu, eu estava ao lado dele. Olhou para a cruz, sorriu e…(e os olhos enchem-se de lagrimas e os meus também, e jà là vao mais de trinta anos)…é assim filha; quem traz muito sofrimento dentro, nao sente tanto o sofrimento do filme, porque jà està habituado. A tua tia diz que sou muito dura, mas eu acho que nao.
é (também) isto o tempo. Nao sei muito bem porque me fui lembrar disto agora…este post era para ser sobre livros que nunca li. Nem vou ter tempo de ler, mesmo que nao fizesse outra coisa daqui para a frente. Acabou por ser sobre um outro efeito do tempo. Aquilo a que o tempo nao nos poupa.
- às vezes penso
- Quatro dias (2)
Nem sei bem como vim aqui parar, mas ter uma avó com 85 anos é isso mesmo, é magia em cada expressão, que nos move a inspiração de um escrever sobre um tema para uma recordação, no seu caso, bem real. Eu tenho dois avós fantásticos na casa dos 80. E perdi uma avó com 83 anos há meses, que deixou um vazio ocupado agora pela pequena estrelinha que nasceu. São passos de magia, bom blog!
Catarina e depois quer que eu leia isto sem uma lágrima? Eu não sou tão duro…
A minha avó ocupa um lugar eterno enquanto eu viver. Sofreu para caramba mas teve tempo para me ensinar a ler e para me dizer tantas coisas que não posso dizer aqui. E pronto, já apaguei todo o resto. Boa noite. Beijo.
E depois querem que eu escreva mais? Mais valia continuar a debitar as patetices durante o dia…nao quero que as pessoas de quem eu gosto fiquem tristes a ler o que escrevo. :,(
É mesmo Catarina! O que me deixou deveras preocupada é que de uma forma um pouco diferente já respondi quase assim a alguém que faz questão de me convencer a nem me atrever a ver o filme. Não tenho oitenta anos, não posso ter sofrido tanto como a tua avó, mas sinceramente, comparado com alguns sufocos porque já passei o filme não pode ser mais duro. Não será no cinema porque há quem ache que eu sou uma flor de estufa e vá para lá chorar baba e ranho, mas este filme não vou deixar de ver. Um mimo ter assim uma avó. Saudades das minhas! O tempo gere-se em nós com as marcas do sofrimento mesmo e quanto mais o conhecemos mais percebemos que a vida se vive um dia de cada vez e quanto mais soubermos sorrir-lhe menos a sentimos pesar. Beijo
Os meus avós, ainda cá andam os dois (digo isto porque só conheci estes dois, os outros foram-se muito antes de eu nascer), e são das coisas mais preciosas da minha vida. Não me parece que nenhum dos dois vá ver o filme (é em inglês e as legendas passam muito rápido e tal), mas eu vou concerteza, até porque a história pode ser dura, mas a realidade também o é e nós temos que a enfrentar todos os dias… Bjos
Que sorte, amiga, em ainda ter essa avó tão cheia de vida e de coragem! E eu sou da opinião da “vóvó”: é um filme a ver! Muito violento, sim, mas corresponde realmente à verdade. E a Verdade acima de tudo…