100nada

Uma questão de semântica

Chego à conclusão que o mais grave problema deste país não é a crise, o endividamento, a falta de iluminações de natal ou os cocós de cão nos passeios. Não. O problema mais grave deste país é uma questão de semântica. Ou mesmo a pura ignorância sobre o significado das palavras. O nosso ex-PM, agora emigrado (exacto…) considera que a palavra “dívida” significa “coisa que não se paga”, e esse pequeno erro de falta de dicionários em casa, deu uma grande ajuda à situação onde estamos hoje, porque, infelizmente, os credores discordam da anterior interpretação institucional portuguesa.

Temos agora um novo PM, que aparentemente sofre do mesmo problema. Não sei se é do cargo, da cadeira, da cantina lá de São Bento, mas só se pode concluir que é uma falha altamente contagiosa. E então, o novo PM confunde a palavra “transparência” (palavra de ordem da coisada toda, desde a pré-campanha até ao divulgar da cor das cuecas dos assessores adjuntos dos terceiros secretários dos gabinetes que nem sabíamos que existiam) com “posso dizer o que me vai na alma aqui em confissão aberta ao povão todo”. É uma atitude louvável, mas nem Cristo – já que estamos no Natal – conseguiu ser tão inocente: haja em vista que não disse tudo o que sabia nem sequer aos apóstolos, não fosse algum pasquim da época apanhar a cacha num corredor e espetar em primeira página “Judas vai vender o chefe por trinta moedas, citou fonte anónima ao nosso jornal”. Um PM, que nem sequer tem mandato divino, se bem que demonstre uma grande coragem (ou tolice) em dizer tudo o que lhe passa pela cabeça, não deve confundir “transparência” com “iadaiadice vária de toda a ordem”. Eu, que não sou ninguém, posso perfeitamente dizer “ah não gostas? olha, a porta é ali!” mas convenhamos que ao timoneiro do país mandar a rapaziada remar para outras águas, é um risco. Para o timoneiro, obviamente, mas o barco também não fica em melhor estado, até porque quando se começa a ver sair os ratos, ainda mais por sugestão do capitão, o resto da malta, a tocar violino no convés, pensa: alto, esta porra se calhar está a afundar e ninguém avisa, melhor ir nadando enquanto se avista terra.

Não tenho a certeza absoluta, mas desconfio com muita convicção que não é assim que os grandes estadistas inspiram os países a andar para a frente. Não estou nada a ver quem chefia os alemães, os ingleses, os franceses, caneco, não estou nada a ver sequer um grego a dizer “andor pá!” Até porque não joga a bota com a perdigota: então não há um ministro da economia que vê luzes no final do ano que vem, grandes néons de retoma, crescimento, riqueza e glória já ali ao virar de 2012? Mas o PM não sugeriu ir passar férias ao Brasil, pois não? Emigrar é assunto de longo prazo, vá, médio quando muito.

E são estas coisas que me aborrecem: a inexistência, no vocabulário político deste país, de palavras como “coerência”.

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