100nada

Sadir pós porcos, salvo seja…

bem, já que a fui desenterrar, posso espetar com a coisa toda aqui:
mais uma história inacabada, que começou por ser dedicada ao meu amigo Claxon e parou na maior confusão já com os pt.conversanos de personagens pelo meio…

O Saxo de Claxon

1.
Ó pai, repetiu o pequeno Claxon Junior, o que eu queria era um saxofone…o pai, Claxon Senior encolheu os ombros. O raio do miúdo andava a dar-lhe cabo dos nervos com a história do saxofone. Na parte de cima do armário, guardada há mais de duas semanas, estava a prenda de anos (cinco! Bolas, qualquer dia está maior que eu, estes putos crescem num instante!), primorosamente embrulhada.


Tinha dado uma trabalheira danada a embrulhar! Não só por ser enorme, mas porque o Júnior tinha aquela mania dos livros de quadradinhos e Claxon (o Sénior) não se podia queixar…antes do Júnior nascer, tinha passado umas belas horas em salas de espera de obstetrícia, agarrado aos Moebius e ao Jodorovsky, enquanto a futura mamã do Júnior se entretinha com a ‘Pais e Filhos’ e a ‘Bebés de hoje’. As memórias dessas leituras eram um pouco misturadas, já não se lembrava bem se o Meta Barão tinha de facto usado uma tetina de um furo só no treino do filho, mas no geral eram agradáveis. O Júnior apanhou com este vício por osmose, dizia aos amigos. Ainda na barriga da mãe já sabia quem era o Mandrake…

Não admirava, portanto, que o miúdo tivesse esse gosto e o pai, que sabia bem que os presentes embrulhados têm um sabor ainda melhor, tinha passado umas horas a imprimir e colar bocados de BD até obter uma tão grande que conseguia embrulhar aquele enorme presente. Uma miniatura perfeita da moto do pai, encomendada pela net…a gasolina e tudo! Imaginava já uns passeios com o filho, pelos caminhos do Alentejo, pões ali o pé e carregas (a moto miniatura era só de acelerar) e depois é só deixares-te ir atrás de mim. Como era um pai consciencioso, tinha comprado um capacete e um blusão para o miúdo e, de qualquer maneira, aquilo não andava mais que um triciclo…mas era um começo. E a educação das crianças tem que começar cedo, senão fazem aquelas figuras tristes de andar a tentar fazer oitos depois dos trinta.

E agora, depois de tudo isto, o miúdo não se calava com o saxofone. Ainda ao menos se fosse uma coisa menos incomodativa, uma viola, vá lá. Agora uma corneta…só de pensar na barulheira que aquilo ia fazer o dia todo, Claxon (o Sénior) até tremia. Nem pensar em conseguir ler ao som dum Claxon de saxo. E lá se iria o sossego das noites a ver o motocross na SIC Radical…

2.
Mas que teimosia a desta criança, resmungou Claxon (o Sénior), depois de ter adormecido o Júnior, com a história do Tartaturbo (era sobre uma tartaruga que ganhava as corridas todas, depois de ter adaptado umas rodas e um escape de rendimento à casca). Não sei a quem sai, respondeu a mãe do Júnior. Olha lá, quantas vezes é que já te pedi que não deixasses o Manara por aí espalhado? Ontem vim mais cedo para casa, estava a miúda da vizinha aqui deitada no sofá agarrada a eles…não te estou a dizer isto pela confusão que o Júnior armou no armário das tampas das panelas, mas ainda ficamos sem babysitter! A miúda tem dezoito anos, respondeu ele, e anda sempre enfiada em casa, ao menos sempre aprende alguma coisa de jeito. Há-de servir-lhe de
muito! Irritou-se ela. Isso são desculpas para nunca arrumares nada!

Mas afinal, continuou, vais comprar-lhe o saxofone ou não? Não vou nada! O miúdo não tem nada que andar aí a tocar corneta! Tem é que aprender a andar de moto e mai nada! Eu é que sei! Pois é, querido, riu-se ela. Tu é que sabes…não me arrepeles o cabelo, refilou ele, qualquer dia vou ter de puxar a melena de um lado para o outro para esconder as entradas. Deixa lá (a mão continuava a puxar-lhe o cabelo), o Júnior, a começar tão cedo com um capacete enfiado na cabeça, quando chegar à tua idade, já nem melena tem…

– – –

Ó pai, eu queria um saxofone, choramingou Claxon (Junior), enquanto tirava os chocapics da taça e os arrumava em fila em cima da mesa da cozinha. Come mas é os flocos, não se brinca com a comida! respondeu o pai, com o nariz enfiado no Moto Jornal. E deixa-te de merdas, pensou, mas não disse, que era contra palavrões à frente de crianças, umas das poucas coisas em que tinha ganho a ‘Pais e Filhos’. E vamos embora que estamos atrasados, hoje sou eu que te levo à escola. Lá vou eu ter de gramar com o transito da hora de ponta, mas a tua mãe teve de sair mais cedo.

Mas ó pai…insistiu Claxon Junior, mas o pai já não o ouviu, a fazer contas às datas da Concentração de Faro. Acho que posso ir, concluiu ele, depois de ter depositado o filho na escola. Está cá a minha sogra, dá uma ajuda e até me convém. Pegou no telemóvel e marcou um número: olha, disse para o lado de lá, Tá lá, Altar? Afinal também vou a Faro, mas vê lá se não vais a empastelar. O quê? Deus ajuda quem anda devagar? Olha, pá, se vais para lá com essas tuas teorias, é melhor veres na televisão, que aquilo é a Catedral do Motociclismo, não é a missa de domingo. Bem, a gente depois combina. E já sabes que tens a festa de anos do Júnior no próximo sábado. O teu mais velho vai para o acampamento dos escuteiros? Leva o mais novo, pá…tem ensaio do coro da igreja? Pá então vem tu, tens de ver a moto que vou dar ao miúdo! Depois a gente fala.

3.
Claxon (Sénior) desligou o telemóvel e atirou-o para o banco do lado. O telemóvel bateu no banco, caiu ao chão e a bateria saltou para o lado. Raios partam isto! Berrou Claxon (Sénior), enquanto se inclinava para apanhar os bocados…e, mesmo antes de desmaiar, ouviu um chiar de travões seguido de um enorme ruído de chapa a transformar-se em sucata.

Acordou numa nuvem. Era uma nuvem picolim, confortável e ortopédica, perdida no meio de um céu azul escuro, com umas estrelas muito grandes e muito tortas que podiam ter sido desenhadas pelo Júnior. Era giro, mas um bocado monótono, pensou ele. E nessa altura ouviu ao longe o som de um motor. Quatro tempos, pensou ele, e está a precisar de limpar o carburador. O som aproximou-se e uma das estrelas também. Afinal não são estrelas, percebeu ele, são faróis. E quando chegou ao pé da nuvem, viu que era uma espécie de Harley toda em inox. Estes tipos são demais, nunca conseguem manter a coisa de origem durante muito tempo, têm logo que modificar tudo.

Hey mister, disse uma voz. Name’s Bird. Are you The Sax Clax?

Claxon (Sénior) olhou para o dono da voz. O tipo tinha uma cara simpática, apesar da aparência singular. Fato às riscas branco e preto, gravata às bolas, sapatos de verniz. Como não sabia o que havia de responder, resolveu optar pela via mais segura e cumprimentar a moto, dava sempre resultado.

Tem aí uma máquina gira. Não é de origem pois não?

O outro ajeitou a gravata. People are always trying to change the nature of things they love, don’t you mister? But in the end, they stay the same. And, are you or are you not The Sax Clax?

Bem, acho que não, respondeu Claxon (Sénior). Nem sei o que isso é. Mas percebo de motos e tens aí uma toda artilhada.

So you think this is a bike, ah? Look again mister, you have to look very carefully to really see.

Claxon (Sénior) esfregou os olhos e olhou para a moto outra vez. Tinha rodas? Não, era só uma parte mais redonda onde o tipo estava sentado…e vendo melhor, não tinha volante, só uma parte mais comprida e curva…é o raio do saxofone, mas que pesadelo, esta porcaria já me anda a dar com os nervos! Estou a sonhar que estou a falar com um gajo montado numa corneta destas! Isto é demais!

So, disse o outro, if you’re not The Sax Clax, you’re in the wrong place. Go back. And remember: don’t try to change the nature of things. One day you’ll understand.

O escape arrancou ao som de um bebop. E Claxon Junior acordou ao som de uma voz esganiçada que lhe berrava ‘levante-se já seu palerma, esbandalhou-me la voiture toda e está prái a faire une fita, anda aqui une pauvre femme de menage a juntar as economias pour acheter une voiture e vem de lá você e espatifa tudo, c’est tu espatifado, c’est la desgraceira total, ces portugais sont les sauvages ao volante, e a bófia quando est besoin, rien de rien!’

4.
Claxon (Sénior) abriu os olhos e olhou para cima. O céu tinha voltado a ser azul claro, com algumas nuvens que, aparentemente, estavam vazias de gente. Isso já não era nada mau. Entre o céu e ele, viu uma cabeleira ruiva de caracóis, que continuava a berrar levante-se seu palerma, e resolveu fechar os olhos e ficar quieto. A voz foi esmorecendo e Claxon (Sénior) ficou a ouvir, mas o que é que o palerma tem? il est mort alors? e pareceu-lhe que o assunto estava a ficar bem encaminhado. Deixou-se ficar calado de olhos fechados e ouviu outra voz, esta num tom grave e algo trémulo: a menina precisa de ajuda?

Ce palerma ici (o timbre dela tinha regressado ao esganiçado) virou a esquina e bateu na minha voiture que é nova e moi je suis une pauvre femme e agora quem é que vai payer pour toda esta merde? Tenha calma, respondeu o velho (Claxon tinha decidido que aquela nova personagem era um membro da terceira idade) tudo se vai resolver. Tem telemóvel? Non, pas de telemóvel, une pauvre femme comme moi n’a pas de telemóvel, chorou-se ela. Nem eu, disse o velho, sou absolutamente contra esse tipo de novas tecnologias que dão cabo do meio ambiente, sabe que as ondas emitidas pelos telemóveis são muito perigosas para o cérebro? Podia contar-lhe histórias de por os cabelos em pé…e calou-se. Aposto que olhou para os caracóis dela agora, decidiu Claxon (Sénior) e arriscou-se a abrir um bocadinho os olhos.

Isto hoje é só cromos, pensou. Em pé ao lado dele estavam mais dois. Ela muito alta e ruiva, com um vestido verde alface às bolas brancas, de saia aos folhos. Por baixo da saia curta (daquele ângulo via-se bem) um saiote de tule também verde alface. Podia ser uma bailarina moderna se não fossem os pés (que ele via melhor) numas meias brancas curtinhas e sandálias de cabedal rasas. E não aparentava idade para ter carta de condução.

Ele devia ter cento e cinquenta anos no mínimo, de chapéu alto e casaca. Uma mão de múmia segurava uma bengala de cabo de prata. Os pés estavam calçados com sapatos de verniz. Será que é moda? pensou Claxon (Sénior) e viu a bengala a levantar-se. Queres ver que o tipo me vai bater? Tou feito com estas alminhas! E levantou-se a correr. A tempo de ver que a bengala levantada era para mandar parar um carro que seguia na rua.

O carro parou e Claxon (Sénior) reparou que não era bem um carro. Era uma carrinha de caixa aberta, cuja cor se encontrava escondida debaixo de uma espessa camada de pó. A porta (que tinha pintado uma figura que podia ser qualquer coisa mas pareceu a Claxon Sénior que era uma sereia de curvas abundantes) abriu-se e saiu uma pessoa que estava vestida de…é de botas, decidiu Claxon. O homem tem botas até ao pescoço. Se não era isso parecia, porque as botas subiam-lhe pelas pernas e depois terminavam num fato de borracha de alças da mesma cor. Da mesma cor do carro, aliás. Lá no alto, uns olhinhos muito brilhantes encimavam umas barbas grisalhas.

E uma voz grossa saiu debaixo das barbas: Tirem-me deste filme!!!

5.
O que é que se passa aqui? perguntou o Botas da Sereia. Mas antes que a Esganiçada respondesse, já o Cartolas Mumificado (Claxon acreditava piamente que toda a gente tinha um nome. Mas era mais simples usar um que se aplicasse) estava a explicar: Aquele tipo bateu a esta senhora. Bateu? Perguntou o Botas, mas o Cartolas lá por ser velho não era parvo nenhum e adiantou-se logo à ideia do outro. Com o carro dele, explicou, bateu a esta senhora, isto é no carro desta senhora. E agora não se dá como culpado, é? Resmungou o Botas, esta malta nova é toda assim, andam aí numas velocidade doidas, se calhar até está bêbedo…Ces’t ça! Berrou a esganiçada! Um bededolas! Uma vergonha!
Tenha calma, minha senhora, disse-lhe o Cartolas e pegou-lhe na mão.

Olhe lá ó amigo, virou-se o Botas para Claxon, o senhor não tem vergonha na cara???

Claxon (Sénior) levou a mão à testa e ficou a olhar para os dedos pintados de vermelho. Era um vermelho vivo daqueles que só aparecem nos filmes. Foi a gota de água e perdeu a cabeça (que por acaso lhe doía bastante):

Eu não tenho vergonha na cara! Eu tenho SANGUE na cara! Tive um acidente, quase morri, estou aqui caído no chão com esta maluca aos berros, aparecem vocês os dois, ninguém me ajuda, só têm olhos para as pernas da doida….as pernas…as pernas…

E desmaiou outra vez.

Mas foi só por uns minutos e desta vez não sonhou com nada. Quando voltou a si, já o Botas lhe tinha sacado a carteira e preenchido o seguro amigável enquanto o Cartolas ia ajudando a Esganiçada na tradução dos documentos dela. Assine aqui, rosnaram as barbas e ponha-se a andar antes que eu chame a bófia para lhe fazer o teste do álcool. Nós levamos esta senhora a casa, que está muito abalada e não se sente em condições de conduzir.

O Cartolas deu o braço à Esganiçada e avançaram em direcção à carrinha do Botas, que já estava lá dentro a limpar o banco da frente com um pano. O pano parecia da mesma cor da carrinha. Arrancaram num chiar de pneus e desapareceram no fim da rua, deixando apenas um leve odor a maresia e o carro da Esganiçada, encostado à berma, com o triângulo aberto encostado ao vidro de trás.

Claxon meteu-se no carro. Ainda não tinha percebido muito bem o que lhe tinha acontecido, mas fosse lá o que fosse, era melhor ficar assim mesmo. Não vale a pena tentar fazer sentido do inexplicável. Encolheu os ombros, sentiu-se muito zen e tirou a caixa das Dodots do saco de emergências do Júnior. Limpou a cara e atirou as toalhitas sujas para o lado. Depois apanhou os bocados do telemóvel. Ligou-o e viu que já tinha dez chamadas não atendidas.

Vou comprar um auricular, concluiu ele.

FIM, isto é, pois…fim…nunca escrevi o resto…

0 thoughts on “Sadir pós porcos, salvo seja…

  1. caim

    Ainda se queixa, o Claxon Sénior?
    Espera só quando o puto lhe pedir um Fone, aos 12 e um Saxo (citroen) aos 18.