Poço
É cada vez mais difícil mergulhar no poço da mistura de angústias antigas, embora não seja mau. O meu caminho foi sempre aos pulos pendurada num muro
mais vale imaginar
(imaginar = tirar uma imagem, como quem tira uma fotografia)
Há um poço na quinta. Mais que um, até, mas aquele é o poço por excelência, representa todos os poços de quintas, todos os poços que existem, todos os dos pesadelos, dos meus, todos os sonhos de poços.
Fica à beira de uma vala que se enche no inverno e se esvazia por completo no verão e à sombra de um castanheiro de castanhas venenosas; sobre a vala ainda correm uns carris de ferro onde nunca se mantiveram, por mais do que um ano, as tábuas daquela ponte (a outra, mais valente, de ferro forjado e retorcido, décadas de passos por cima e sempre sem cair, as tábuas já todas podres, não havia salto possível, mas ainda se ia passando sempre) e aquela dos carris, sempre só em carris onde nos equilibrávamos. Nos porque não há histórias de quintas sem existirem plurais de primos. Ao lado o poço, ao lado e acima, um poço que fica num alto, escava-se um poço num alto (um alto baixinho), não sei se lá estava antes, penso que foi feito com o poço. Um caminho de alguns passos de silvas, muitas silvas, ainda lá está esse poço, mas tantas silvas que já não se passa, e um muro baixo, de bocados de não sei o quê, amarelo, que se desfazia quase; uma nora que ainda levava àgua, e nós (sempre este nós que ia variando, nem sei bem quem, alguéns primos) com o pau à volta e a água a subir nos baldes furados e ferrugentos mas com algum esforço conseguiamos fazer correr a água: entrava num buraco, saía mais adiante num aqueduto de arcos mais baixos de eu. Ou mais altos, alguns, talvez, já que é num alto.
É o que interessa num poço, a água. É essa água que me atrái na memória neste poço, porque não está lá, não se vê (vejo-a como se fosse agora e não vou lá há anos, apesar de passear ao lado). O fundo do poço é uma relva, é côr de relva clarinha, côr de relva fina e fofa, côr da relva mais confortável do mundo, é muito verde, um verde quase plano, até se atirar uma castanha venenosa, uma maçã, uma pedra. Qualquer coisa que se atire faz um buraco naquela relva macia e por baixo, por baixo aparece uma água muito preta de não se sabe quantos metros de altura num poço de paredes lisas que se desfazem e que tem como escada uma coluna de baldes de ferro podres.
É isso. Sou eu que me vejo de pé (embora nunca tenha feito semelhante graça) sobre esse muro baixo, a olhar para uma relva plana de memórias, sem atirar maçãs ou castanhas venenosas ou pedras. Não me apetece escalar noras, muito menos para efeitos literários.
- Ai que eu morro aqui!
- Uma perninha, porque não?
Obrigada pela “visita guiada” a esse poço =)
Por momentos (os momentos em que te li), senti-me lá. Seja esse “lá” onde for.
Nesse poço.
Quase senti o cheiro do poço, o cheiro da água fresca lá embaixo. Arranhei-me nas silvas que rodeiam o poço, apanhei as castanhas e atirei-as à água. Pude ouvir o som.
Obrigada pela viagem =)*
Chama-se (ou chamamos-lhe) Poço das Castanhas. Mas a água, sendo provavelmente fresca, não tem nada ar disso…é um sítio muito bonito e perigoso. Beijinhos, Kooka.