Life, the Universe and Everything *
(* titulo descaradamente roubado a Douglas Adams)
“Então não servimos para nada.”
Há uns meses que estas palavras me perseguem. Foram ditas por uma criança de quatro anos, como conclusão a uma explicação da mãe sobre a vida e a morte e o facto de as pessoas morrerem e as coisas (as casas, as árvores, os objectos, tudo o que é inerte ou de vida longa) ficarem, subsistirem. Na altura expliquei-lhe que não, não poderíamos ficar a tomar conta das coisas, que não ficaríamos para tomar conta das coisas e ele, um pouco triste, respondeu exactamente assim:
– Então não servimos para nada.
E eu fiquei muda, sem resposta para dar. Na altura quis escrever tudo quanto me ocorreu naquela altura, tudo o que tenho pensado ao longo dos anos sobre isso: mas só consegui frasear que
É que, suspeito bem, o meu filho com quatro anos, descobriu aquilo que nós, adultos, tentamos passar uma vida inteira a negar.
Expliquei há uns dias, em conversa, o que é que eu penso sobre tudo isto. Tento agora em palavras escritas, com uma história (muito gosto eu da parabolazinha) para início talvez.
Era uma vez um planeta que existia há milhões de anos, onde o tempo e a erosão iam operando as suas transformações, calmamente. Muitas vezes estas transformações eram brutais e mudavam a face do planeta: mas aconteciam ao longo de muitos, muitos anos: se alguém estivesse a vê-las por dentro, nem dava conta de que estavam a acontecer.
Este planeta e os seus ecossistemas poder-se-iam traduzir em equações matemáticas e físicas e químicas, sempre dinâmicas, mas que se iam equilibrando lentamente, ao sabor dos séculos. Até ao dia em que apareceu um erro de programação. Um bug do sistema.
O bug, que na história do tempo do planeta, apareceu aí há cinco minutos, começou a corroer tudo. Uma espécie de parasita agressivo, que se ia multiplicando e entrando em todos os sistemas, não desistindo até conseguir o shut down total. O bug, o parasita, tinha uma única finalidade: subsistir, sobreviver, manter-se vivo às custas do que fosse preciso, do próprio habitat mesmo que isso significasse o fim de tudo, incluindo dele mesmo.
Ora uma pessoa via um parasita desses e a pergunta imediata seria:
– e não se pode exterminá-lo?
Tudo isto, conversa fiada que se lê em todo o lado, serve para ilustrar, de forma algo infantil, aquilo que eu penso sobre a vida, o mundo e as coisas em geral. Nós não servimos para nada. A vida humana, esse erro de programação, o vírus parasita, tem uma inutilidade relativa que é, nesses termos de relatividade, total e absoluta. A humanidade não serve rigorosamente para nada, senão para se multiplicar e invadir um sistema que, até aí, estava equilibrado. A barata humana não dá nada, só retira e destrói numa relação de parasitismo com o mundo que a rodeia, incluindo outros ninhos de baratas.
Sim, podemos falar da vida e da alma, dos sentimentos, dessa coisada toda, claro. Creio que a barata humana, como é dotada de inteligência, precisa de justificações para tudo aquilo que faz, justificações que colham, sejam elas lógicas ou dogmáticas para explicar o que é ilógico. Na verdade tudo isso não é mais do que o passo necessário para a manutenção daquilo que lhe é mais caro: a vida, a sua própria sobrevivência. Se a barata tomasse consciência de que não servia para nada, deixava-se ir, desistia de viver, não valeria a pena; é preciso que existam razões para a manutenção da vida, que é a única finalidade, a primordial: e essas serão todas as que se inventem, que se imaginem que existem, que se acredite que existam. Mas, na relatividade do tempo medido em milhões de anos, não é que a barata não conte: é um vírus, vai acabar por estoirar tudo, mas não interessa nada que tenha esta ou aquela razão para existir.
– Se pensasses assim, davas um tiro na cabeça.
– Pois dava. Mas eu também tenho em mim o instinto de sobrevivência que me faz continuar furiosamente a respirar, mesmo que saiba que não passo de um erro de programação numa equação.
- Importam-se de não abrir mais blogs?
- O sentido da vida: um momento de rara beleza
E achas que perder esse tempo todo a escrevinhar este blog e um bom motivo para nao dares um tiro na tola, sua barata tonta?!
Tanga! E so para dizer que ja uns tempos que ando a curtir este blog. Apanhei-te na casa de cacela. Curto a tua pancada, simplicidade, e… profundidade.
Continua.
luis
E achas que perder esse tempo todo a escrevinhar este blog e um bom motivo para nao dares um tiro na tola, sua barata tonta?!
Tanga! E so para dizer que ja uns tempos que ando a curtir este blog. Apanhei-te na casa de cacela. Curto a tua pancada, simplicidade, e… profundidade.
Continua.
luis
E achas que perder esse tempo todo a escrevinhar este blog e um bom motivo para nao dares um tiro na tola, sua barata tonta?!
Tanga! E so para dizer que ja uns tempos que ando a curtir este blog. Apanhei-te na casa de cacela. Curto a tua pancada, simplicidade, e… profundidade.
Continua.
luis
Desculpa! O gajo respondeu-me que o comentario nao tinha saido… e sairam 3! Sabes como sao estas malditas maquinas!
Obrigada, Luis (3 x barata tonta! Bolas!)
Sei muito bem como funcionam, aconteceu-me o mesmo ali mais abaixo: são os tais bugs dos sistemas…:D
Ah! Isto é só uma teoria, claro. Não é um estado de espírito! :DDD
(essa da barata tonta tá bem visto, em termos de humanidade global)
Há uma outra teoria Catarina, que ouvi também de uma criança, há alguns anos:
“Eu não posso morrer, porque se eu morrer todas as coisas desaparecem”
Ignoremos o princípio místico que está aqui latente (isso de querermos perceber porque somos nós baratas). O que eu gosto aqui é avançar com esse absurdo de (tb) podermos pensar que não podemos morrer porque esse estado só é possível definir se as coisas depois de nós ainda fizerem sentido. E não fazem.
Reflexão (muito) pesada, a tua.
Mas (brutalmente) real.
Infelizmente, não me parece que sirvamos para nada.
Cada vez sinto mais isso e qualquer dia. . .não sei.
Acho que no fundo ja baixei os braços para tentar entender o que faço por aqui e deixo-me andar.
Há quem diga que não é o correcto a se fazer, mas é, sem dúvida, o caminho mais fácil.
Catarina, achas que vão construir uma auto-estrada intergaláctica ainda este ano? Ainda estamos a tempo de sugerir um viaduto por cima da Terra? Ou o melhor é apanhar uma boleia?
O erro vale pelo efeito que produz em seu redor. Que poderá eventualmente ser o efeito certo.
Um pouco confuso, eu sei…
😉
Figéé! Sabes lá tu se não fazem? Sabes lá tu até, que importa que saibas ou não? Vês o chão que pisas? Consegues fixar na retina, ou por trás dela, ou lá na célula onde é suposto isso acontecer, ESTE exacto momento e reproduzi-lo TAL E QUAL? Tens a certeza que o caderno que guardaste à cinco minutos na gaveta da secretária ESTÁ LÁ?
Bom, vou fazer o saco… uma toalha e uma garrafa de vinho.
Até amanhã?
Aqui há meses morreu uma pessoa amiga, e tive de explicar ao meu filho, que tem quatro anos também, o que era a morte. Mal ou bem o nico calou-se, mas uns tempos depois chegava-se de manhã ao meu quarto, enfiava-se na minha cama e dizia-me baixinho: -Mãe, quero ser pequenino para sempre.
Passado uns tempos deixou de querer ir a festas de anos, não queria que os amigos crecessem, era a velha história só se morre quando se é muito velho. O que achei “engraçado” nesta tua história, é que ele dizia precisamente isso que se morremos então não servimos para nada.
Um dia apanhei-o em conversa com a irmã de seis anos, ele dizia que quando fosse grande ia inventar uma máquina para trazer essa pessoa que tinha morrido de volta, a minha mãe, os brinquedos que se tinham partido (aqui é influência do toy story na certa, e talvez a expressão do não servimos para nada também, só que nós damos-lhe outra carga, e eu percebo porquê, porque também a dei), e todas as pessoas do mundo.
Ela ficou muito preocupada e disse-lhe que ele não podia fazer isso e então deu-lhe a resposta que eu nunca lhe soube dar, disse-lhe que servimos para viver, para brincar e para sermos felizes (sic) e que quando morrermos devemos servir para outra coisa qualquer, mas que não sabia porque ainda não tinha morrido.
Desse dia para cá, a única pergunta que ele me faz é se pode ser meu filho para sempre, e eu claro, respondo-lhe que sim.
É o melhor que te sei dizer, Catarina.
Bill, mantenho o que disse. Depois de nós nada faz sentido. O meu mundo (e não é o teu) é o que dele conheço, e só existe porque eu tenho noção dele. Prefiro esta perspectiva da realidade, ainda que ateia, ainda que efémera, ainda que egocentrica, a pensar que sou uma barata virulenta que se ocupa apenas em sobreviver e a fingir que estraga o universo (embora a teoria que expôs a Catarina seja mais irrefutável que esta … mas, no que toca ao coneito de vida, terá isso importância – a irrefutabilidade?)
É uma questão q todos reflectimos muito e onde haverá n perspectivas. Egocentricamente, pensando só no nosso “mundo” e no que nos rodeia poderemos pensar que valemos pela construção e manutenção do mesmo.
No entanto, para além da atmosfera degradada, do buraco do ozono…para o qual nós baratas contribuímos, poderemos sempre contribuir para o propocionar um mundo a quem não o têm e que vêm na morte a unica saída.
No caso da minha filha Mariana, só há pouco tempo começou a ir dormir a casa dos avós e de amigos, porque a partir do momento que lhe morreu a bisavó ficou apavorada com a morte e não queria morrer longe de mim. Acabei por ter que lhe dizer que quando se morre ficamos sempre no céu transformados em estrelas para que se torne mais bonito, e podermos olhar para baixo e vermos toda a gente…a partir daí começou por falar com a estrelinha q mais brilha no céu (Avó Lete) estranhando inicialmente(3 anos)que não lhe respondia…mas q começou a responder-lhe quando dormia tomando conta dela para q não morresse…correcta? incorrecta? mentirosa? ernergumena? não sei…mas foi a maneira que arranjei de ela ultrapassar o medo da morte aos 9 anos! beijos Cat
Não somos nada, é o que é…
Tenho a impressão de ter lido que um bug é sempre um erro do programador. E esse “erro” teria sido intencional ou negligente?
Entropia, é isso.
Catarina!
Olá, olha está um pequeno exercicio lá em casa para ser resolvido, conto com a tua resposta
Bjs
Bin
O teu filho (assim como todas as crianças creio eu!) entende mais de filosofia do que qualquer adulto! É como dizes, passamos a vida a tentar justificar o injustificável. A vida aconteceu ninguém sabe bem como nem porquê mas em termos globais e intemporais não serve para nada! Apesar de eu (assim como todos os adultos!) acreditar que nem tudo é assim tão evidente! Se me permites uma pequena historieta inspirada pela sabedoria profunda do teu filho…
Era uma vez um rapaz que não se sentia lá muito capaz. Passava os dias deitado a pensar mas para que raio teria sido inventado? Olhava à sua volta e o que via só lhe inspirava revolta! O mundo em constante guerra… crianças a morrer à fome… ódios profundos e medonhos… nada do que via fazia sentido algum! Até que um dia aconteceu… encontrou uma rapariga que pura e simplesmente o emudeceu! De repente tudo mudou e ele nunca mais pensou. Porque sentir o que sentia, um amor como aquele que agora o preenchia, isso sim era diferente e agora sim havia sentido no que fazia. Era para ela e por ela que vivia! Construiu uma enorme mansão, quase do tamanho do seu coração. Para lá levou a sua amada e deu largas à sua paixão desenfreada e enfim consumada! Procriaram-se aqueles dois e tanto que rapidamente sem espaço se quedaram! O rapaz agora homem mais outra mansão construiu, e mais outra e outra ainda… até que todo aquele casario se transformou numa enorme cidade! É verdade que não servimos para nada sim! Mas se soubermos amar sentimos que nada nos poderá parar! Até atingirmos esse sentir que somos maior do que todos e do que tudo, concordo que a vida nos parece singularmente tacanha, mas depois de o atingir… até uma cidade nos sentimos capazes de erigir! Não é?…
forte e pesado: quando morreu alguém muito importante para nós, tive de explicá-lo ao meu irmão de 5 anos:
– nunca mais a vamos ver?
– não.
– e também vamos morrer?
– sim, um dia mais tarde…
– então, porque estamos vivos?
– ainda não sabemos, mas estamos aqui para descobir…
chorou todo o dia. hoje, tem 17 anos, é um ateu convicto, e julgo que não lhe expliquei bem as coisas da melhor maneira…
Diabo…estes comentários davam posts e a resposta a todos ia demorar um dia inteiro. De qualquer forma, esclareço que o meu pequeno não tem problemas com a morte, só curiosidade e até uma certa crueza, por enquanto.
Quanto ao resto, o que eu escrevi não tem nada a ver com estados de espírito ou se vale a pena viver ou não: evidentemente que sim e tudo isso. É só uma perspectiva global, da nossa importância no todo universal ou coisa assim, a perspectiva barata, por assim dizer.
O erro ser intencional ou negligente, timoshel, tá aí uma coisa com piada: a ser negligente, é um erro, pura e simplesmente, não deveria ter acontecido. Mas se fosse intencional, lembrei-me que poderia ter sido desenhado como o mecanismo de explosão do programa, o final: quando acontecer assim e assim, aparece esta barata, fecha o programa e começa-se noutro lado. E assim sempre servimos para alguma coisa.
Ah e acho que estou em oposição ao Eufigénio: tudo continua (por mais uns tempos pelo menos) depois de desaparecermos nós, individualmente. Mas entendo que se não desaparecem as coisas, então nós também não desaparecemos completamente (como é óbvio, na vida real nossa, no tempo que é nosso).
Eu não passei a fase primária da minha metafísica Catarina. Quero continuar convicto (até que alguem me possa demonstrar o contrário) que quando eu for tudo há-de desaparecer. O filme acabou.
Eu sei, chamar aos outros protagonistas da minha vida é um pouco forte, ofensivo até, mas há coisas que provavelmente nunca terei resolvido em criança (não devia estar um ceu estrelado nesses dias)
Mas de que lado queres tu saber isso (se desapareceres desaparece tudo o resto)? Se é do lado dos outros, está mais que demonstrado que não, se é do teu, bom, um gajo só sabe quando passa por elas, como se costuma dizer.
Eu não quero continuar numa de psiquiatra de sarjeta ou de psicanalista do sexo dos anjos mas dá que pensar, Catarina, quando dizes que o erro, se foi negligente nunca devia ter existido e se foi intencional é o mecanismo de explosão do programa (até porque não explode nada – na pior das hipóteses o planeta volta ao que era há uns milhões da anos atrás apenas e o universo à sua quietude)
Hum…não deveria ter acontecido no sentido de sendo um erro negligente e que não traz benefícios ao todo, melhor seria que não tivesse acontecido; intencional como mecanismo de shut down: explosão foi uma escolha infeliz, eu também acho que não explode nada, mas também não me parece que fique como estava: mas vendo em milhões de anos claro que fica.