100nada

Marretada sim, mas era escusado deitar já o muro abaixo…

“Início em Fim

Por vezes começamos afogados, olhamos os céus que nos parecem recortados, vivos pelas ondas que embalam a visão, olhamos o céu que não passa de um mar, estamos abaixo, tão abaixo que não percebemos.
Um dia atravessados por uma corrente forte, somos trazidos ao de cima, e pela primeira vez respiramos o ar que dói nos pulmões, vemos as cores que nos cegam os olhos, o mundo imenso, sentimos as gotas a secarem minguando-se até desaparecerem, o vento a beijar-nos a face com a força de uma lâmina, o sol escaldante sobre a pele sem textura, disforme. Nesse dia, queremos o mundo, desejamo-lo, aprendemos a nadar, e tentamos, tentamos chegar a terra, sê-la, seca, com cheiro, espalhada em nós, sólida.
No entanto, sabemos onde pertencemos, onde foi o começo, ansiamos pelo regresso, pelo conforto do útero húmido onde tudo fomos, onde tudo pensamos poder voltar a ser. Ao mesmo tempo a terra não deixa de estar no horizonte onde os nosso olhos descansam, na linha infinita onde o mundo se forma belo. Teme-se, desconhece-se, deseja-se ainda mais, e sobrevive-se.
Percebemos que nunca seremos a terra desejada, aquela que o mar abraçará e não mais deixará, encontramos tanta terra, tão mais sólida, perdemos o rumo, olhamos para o lado e o Norte dissipa-se no mar, perdemo-nos, somos nós e o silêncio. Sempre o silêncio entre, aquele que faz bater o tempo com o som do coração. O nosso mundo cai, para dentro de nós, e nós, sós, sentimos o corpo perder a forma, o frio tomar-nos o coração, diminuir o seu ritmo, já não temos calor, apenas bolhas saem para fora como o último vestígio do ar que um dia respirámos, e no fundo do mar, uma concha, feita à nossa medida, como casa, caixão do corpo que foi ar, tão pequena, parece-nos, tão pequena, que nos encolhemos para nela caber, e sentimos que nunca de lá saimos, sempre lá estivemos, no fundo do mar, olhando os céus recortados do mundo que a linha de água separa, e que pensamos ser o real.
A descoberta dói, não emergimos, apenas nos deixamos ficar, como sempre estivemos. Os cabelos ondulam, separados em gomos, em frente do meu olhar, dentro da minha concha pequena, onde me aninho, cheia de silêncio entre, tentando ouvir o mundo cair na superfície da água, do meu Mar, só meu.”

Vanus post-it

0 thoughts on “Marretada sim, mas era escusado deitar já o muro abaixo…

  1. duende

    A dor transforma-nos em bébés que se recusam a largar o útero. A mesma dor obriga-os a sair para continuar a viver. :)

    Lindo o que escreveste, Vanus. Upa upa. 😉

  2. vanus

    Lol o upa upa é para mim? 😉
    Não te posso responder aqui para não envergonhar a Catarina, mas já sabes comigo é mais down down 😛
    De qualquer modo hoje já não estou tão, como dizer…Gótica?! 😉
    beijo

  3. vanus

    Obrigada Catarina, mas a questão era mesmo a do upa upa, tem história 😉

    E quanto ao muro, eu não fiz nada lol, sabes bem melhor eu que não se erguem assim, além de que é preciso olhar o horizonte para se encontrar um ponto que nos faça traçar um caminho. Depois é só andar :))
    Beijos minha querida e obrigada mais uma vez.