100nada

O meu Natal

Não sou capaz de não gostar do Natal e de todas as suas periferias. Lamento imenso, mas é mesmo assim. Sei que está na moda (há muitos anos) um certo espírito blasé de que seca não se aguentam as filas nas lojas ou o politicamente correcto na perspectiva marxista se há quem não tenha natal também não deveríamos ter (que é só uma desculpa mais arranjadinha para o que seca não se aguentam as filas nas lojas). Mas eu gosto, gosto muito, adoro e deliro com a coisa toda. Não é a parte consumista, embora essa me aguente de enorme sorriso nas filas das lojas, porque me diverte e distrái ir olhando para o lado e imaginando que aquela boneca vai fazer feliz uma menina ou aquelas peúgas vão aquecer uns pés ou aquele livro há-de ser folheado por uma pessoa que não sei quem é; e todas essas pessoas vão receber essas coisas das mãos de alguém que gosta delas; ou se calhar nem gosta mas faz o esforço. E se não faz deveria fazer porque o Natal é paz e amor e essa é a mensagem principal da criança que faz anos no dia 25: amai-vos uns aos outros e perdoai as nossas ofensas e o pão nosso. E quem diz pão, diz o bacalhau cozido com azeite a ferver por cima e uns alhos já agora, e as rabanadas e o peru (que até dispenso) e os belhoses e as broinhas e o bolo-rei (para mim rainha se faz favor) e os presentes que não precisam de ser caros mas que (os meus) são embrulhados em casa, por mim, com laços manhosos que continuo a não dominar essa arte e umas etiquetas minúsculas onde consigo sempre escrever mais do que o para e o de.

O Natal é música na rua e nas lojas, essa que já ninguém atura mas que a mim me enche a alma de jingobéls e para todos um bom natal e a sonhar com um natal branco. São as iluminações de rua, as que acho mais bonitas sendo para as crianças as mais feias, porque os meninos gostam de cores e bolas e brilhos e não de coisas de extremo bom gosto, elegância e sobriedade, que nós achamos tão bem mas que para eles não são: os papéis têm de ter pais natais e estrelas douradas e muito vermelho e verde e o azevinho e as flores de natal devem ser exactamente assim e não azuis e prateados, embora se possa ainda assim aceitar essas, já que o Menino nasceu de noite e gostariamos de pensar que as estrelas estavam lá todas a assistir.

O Natal é ficar na fila dos carros para ir ver as luzes ao domingo à noite, é ir ouvir cantar carrols no metropolitano; que saudades de começar a ouvir ao longe um coro que, por vezes nem era assim tão afinado, mas normalmente era bastante bom, a ecoar nos corredores e nas escadas rolantes do London Underground e ir cantando, em surdina, aquelas coisas que toda a gente conhece. Ou em glória, aos berros no Royal Albert Hall, em Carrols for Choir and Audience, com as letras distribuídas à entrada e milhares de pessoas a cantarem

O come, all ye faithful, joyful and triumphant
O come ye, O come ye to Bethlehem

(só de escrever me arrepio)

e já a descer as ruas e a olhar para as montras do Hamley’s. O meu Natal é tão londrino, como é que isto aconteceu? Talvez porque lá não exista esta nossa provinciana vergonha de cantar nas ruas, envergar barretes vermelhos de tira e pompom branco e debitar sorrisos a quem passa só porque sim, porque é Natal.

O Natal são os sapatos deixados na noite anterior nos lugares já marcados há anos que este sofá é meu e aquela cadeira é tua e já nem é preciso saber qual é a da avó porque está sempre ali nem precisa de sapato, é a porta fechada e os miúdos todos ansiosos, é a alegria dos embrulhos, é o som do papel a rasgar, é abrir os presentes aos poucos, primeiro os mais novos e ir tentando por ordem na sala a fazer bolas dos papéis gastos e atirá-los todos para um canto, é depois são vocês agora e (entretanto a avó já está farta de esperar e já abriu as coisas todas), são as fotografias que notamos serem todas péssimas depois, porque estamos despenteadíssimos e de roupão e ainda com as lentes de contacto por colocar, óculos colados com fita cola, ai filha ficaste tão mal nesta e os miúdos escondidos por detrás de caixas enormes, que não são nada ecológicas mas faz sentido por serem crianças e gostarem de pacotes grandes mesmo que lá dentro esteja uma coisa pequena e depois de tudo aberto a parte de olha aqui as minhas e muito obrigada era mesmo isto que eu queria, como é que adivinhaste? Bem tinhas-me dito! Ah pois foi mas olha que é muito mais giro do que eu pensava e depois abraços e beijos e algumas lágrimas ao canto do olho porque afinal é apenas de amor e estima que se trata e de tentar fazer os outros felizes.

14 thoughts on “O meu Natal

  1. Eufigénio

    Concordo em tudo contigo, menos na parte das compras. E também dispenso os gif’s nos blog’s que depois encravam esta porra toda quando um gajo os tenta abrir e ficamos aqui com o PC todo emperrado que já nem dá para trabalhar, nem para não trabalhar. Um bom Natal para ti Catarina

  2. sofia

    Lindo este teu Natal Catarina
    Fez-me lembrar o meu de há alguns anos, com uma diferença – manter 18 primos quietos uma noite inteira nunca foi possivel e sempre abrimos as prendas à meia-noite (que lá em casa chegava sempre mais perto da uma ou das duas, que o jantar também era coisa prolongada)
    Obrigada :)

  3. ruizocas

    e é isso que pensas do natal? é como pras eleições… isso todas as pessoas pensam… que azedume (amargo de boca) o pai natal chegou com boé de telemoveis, computadores e coisas eletronicas baratas alás ao preço da chuva… boa vontade – é pá ta caro pra caralho. afinal o dinheiro é meu e posso fazer dele o k bem me apetece… lálálá. a net tem duas coisas más… cada vez mais virus e cada vez mais blogs

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