100nada

Por qualquer razão

Quando eu digo (e digo muita vez) que não releio o meu tasco, é mesmo verdade. Escrevo-o para deixar marcas nas páginas, dobras que, muitas vezes, só eu é que sei o que significam. Mas depois de escrito, ali fica. Não releio. É raríssimo.

Por qualquer razão, ontem fui à procura de uma coisa numa data qualquer, andei a ver onde estaria e li uns bocados ali à volta. Não me lembro de nada daquilo. Nada. Reconheço, lembro-me depois, lembro-me porque escrevi, mas percebo que, depois de escrito, sai do sistema e apago por completo. Lembro-me de montes, centenas, milhares de posts escritos em vários blogs (isto apenas relativo a blogs), lembro-me de blogs quase na totalidade, lembro-me de posts quase na íntegra, palavra por palavra, mas do meu tasco, zero. Uma coisa aqui, outra ali, mas assim pela ideia, pela memória vaga “ora eu acho que naquela altura escrevi qualquer coisa sobre isso (xacá ver)” e pouco mais.

Reler é uma surpresa para mim. E não é uma surpresa grande espingarda. Caramba (um gajo não tem que andar com merdas de modéstias e afins, eu pelo menos não tenho, estou-me tão nas tintas que já nem pachorra tenho para armar ao “apenas suficiente” quando me reconheço alguma coisa mais) fartei-me de escrever coisas giras. Pá (ok, vamos lá, não armar, mas ser realistas) nunca ganharei coisa nenhuma senão juízo (e mesmo isso vamos indo), portanto o Pulitzer parece-me fora de questão, mas escrevia qualquer coisa. Qualquer coisa não é mau de todo e não é por ter olho em terra de cegos, é mesmo para mim: qualquer coisa não é mau de todo, que eu sou mais bolos e os meus bolos são todos numéricos. E também isto aqui não tem que ser consensual, portanto (consensual tem aqueles sss’s todos? Está a dar-me seca ir confirmar) para todos os (meus) efeitos, eu escrevia qualquer coisa que não era má de todo e fiquemos neste consenso de mim para comigo e já é uma data de gente. Fiquemos não, partamos daqui para diante

(ai filha quando te pões a engonhar não há quem te ature: directa mas é o tanas, estás a fazer flores desde sei lá quantos parágrafos…)

e cheguei a essa conclusão relendo

(anda lá com isso, caneco!)
(olha, desculpa lá, importas-te de não me estar sempre a interromper?)
(tás aí iadaiadaiadaiadaiada e nunca mais desabrochas)
(e então? vou à velocidade que me apetecer!)
(sim, mas a essa nunca vais chegar a lado nenhum)
(desanda tu, que não estou eu para te aturar)
(tá bem! desando mas então não vou sem dizer de uma vez)
(o quê? dizer o quê?)
(isso que te incomoda!)
(não incomoda nada, estou-me nas tintas!)
(sim sim, pois tá bem…)
(estou!)
(então não te deve custar nada confessar aí, publicamente, que achas que perdeste a mão e a unha e os dedos e nunca mais vais conseguir escrever nada de jeito!)
(…)
(pronto, acabou o post. ela amuou)



Só uma pequena nota

Nota-se, sim.

Nota-se quando olhas para qualquer lado e os olhos são empurrados para o lado, para outro lado qualquer que não está ali. Nota-se quando mostras que o teu riso aberto fica a meio e se transforma num sorriso secreto. Nota-se quando agarras no cabelo e o viras e torces e o apanhas e o largas e não te decides porque não te interessa senão manteres as mãos ocupadas. Nota-se quando pegas no telemóvel e carregas em botões que aparentemente não servem para nada. Nota-se na tua voz que se perde a meio de uma frase e tudo o que estavas a dizer fica em suspenso, esquecido, pouco significativo. Nota-se nos fios que perdes das meadas. Nota-se no tempo que te envolve e que corre a outra velocidade. Nota-se nos dias que se misturam nas tuas histórias/memórias.
E nota-se (tu notas) no sabor de lábios mordidos.

Nota-se, sim. Claro que se nota. Mas onde se nota mais, toma nota, é na total ausência de dar conta de todos quantos te rodeiam.

Menos nos em quem também se nota.



Numa esplanada

sentam-se duas raparigas e não começam a conversar porque já se sentam a conversar. Já estão a conversar desde que se encontraram. Continuam a conversar. Conversam enquanto o mar e o céu e a praia mudam de cinzento claro para cinzento cada vez mais escuro. Conversam até cair a noite. Conversam todas as conversas que ainda não tinham sido tão conversadas. Conversam todas as conversas que tinham ficado a meio. Conversam a tarde toda e, no fim, parece que ainda faltam anos de conversas. Parece-me ser esse o consolidar de uma bela amizade. :)


ok, chamem-me histérica a ver se me ralo muito

Fiquei caladinha até agora. Ia ouvindo e lendo, cada vez mais farta de sins, farta de nãos, farta de ouvir coisas estúpidas dos dois lados. Depois, chegou o dia, fui calmamente votar. Ouvi as sondagens calmamente. Os resultados prováveis. O sim. Eu, nas minhas emoções, sou uma rapariga mais dada a exteriorizar fúrias e irritações e outras manifestações de mau feitio que propriamente histerismos de gaja. Esses guardo-os para dentro. Mas não quer dizer que não os tenha.

E foi assim que, um grande bocado depois, ali na marginal, mais precisamente a ouvir a TSF, rebentei em lágrimas. Caiu-me o sim por mim abaixo. Caiu por mim abaixo e estoirou com os anos todos que se passaram desde que tinha eu 14 anos e a minha melhor amiga que também tinha essa idade, teve que ir a um quase vão de escada. Chorei por todas as minhas amigas, por todas as raparigas novinhas que passaram por isso. Por todas nós, por uma geração sem acesso a grande informação, sem grande acesso a contracepção, sem grandes orçamentos, sem grandes apoios. Só com medo e vergonha. E silêncio.

Oh, eu sei que os preconceitos sociais não mudam com referendos ou com leis. Mas sempre ajuda. Hoje foi um daqueles dias que contam. Por todas elas, por todas nós.


Assino por baixo

Ainda não se conhecem os resultados, apenas se projecta uma abstenção vencedora. Deixa andar, não é comigo, tenho mais do que fazer é a lógica de um país de memória curta. Aos que durante décadas, lutaram pela liberdade e pelo direito ao voto livre (e pela inconsciência do não votar) as desculpas por esta abstenção.
Senhor Sócrates tenha tomates, e mude a lei no parlamento
.”

André F., Caixa de Costura


” (…) a todos vós, seus abstencionistas duma figa, daqui vai um meu mais sincero :

“Vão todos à Merda!”

Todos, sem excepção. Qualquer que tenha sido a razão para a vossa atitude, ela merece o meu mais profundo desprezo. Não tem nada a ver com a questão em si, mas antes porém com o acto propriamente dito
.”

Joaquim Varela, Desblogueador de Conversa


o primeiro amor é à estalada

É um casal embora me pareça ridículo chamar-lhes um casal. Um parzinho, talvez, é coisa mais apropriada, embora deteste a palavra. Enfim, um rapaz e uma rapariga, miúdos ainda, sem idade ainda para sair à noite mas já com idade para levarem a chave de casa pendurada numa fita ao pescoço. Estão numa das posições mais clássicas da adolescência que acabou de perder o pré: ele sentado num muro, ela de pé, entre as pernas abertas dele. Braços em redor um do outro com pouca convicção, talvez pela hora de sol ainda a pique, talvez pelas janelas abertas para a deitadela de olho aos miúdos, estão lá em baixo, foram brincar. Estão a brincar, os meninos, pensarão os adultos menos atentos, não passa de brincadeira, tudo aquilo, uma coisa incipiente, as nossas esquecidas, enterradas nos futuros que, àqueles dois, ainda não lhes aconteceram. Esquecemo-nos disso, que para aqueles dois, para aqueles dois que fomos há muitos anos, não havia ainda nada antes e, pensariam eles, não haveria nada de outro depois.
Não é nos beijos que trocam que lhes encontro essa seriedade.
Não.
É na timidez com que, entre beijos, vão dando belinhas na testa um ao outro.