100nada

Da série Mono-diá-logos Conjugais

(e por falar em cabelos)

– Preciso da tua opinião.
– Diz.
– O que é que achas? Pinto o cabelo de castanho-escuro ou vermelho escuro?
– Vermelho-escuro.
– Achas mesmo?
– Acho.
– Gostas mais?
– Sim, senão não respondia vermelho-escuro, certo?
– Pois, eu também gosto mais e até era mais cor de verão e tudo…
– …
– e até acho que me fica melhor e variava do castanho…
– …
– mas depois tenho medo que não fique bem com a roupa…
– Como assim?
– Vermelho-escuro, não fica bem com tudo, aliás já pintei antes, depois fica mal com algumas coisas, não dá com tudo, achas que vermelho-escuro fica bem com roxo?
– Não.
– Fica mal, não é?
– É.
– Pois, e eu que adoro roxo e tenho imensa coisa, é uma das minhas cores favoritas e com vermelho também fica mal e alguns azuis, acho que não dá com quase nada, o vermelho-escuro.
-…
– É, vou pintar de castanho-escuro.
– Mas se já tinhas decidido, para que é que me perguntaste a opinião?!


O estranho fenómeno dos cabelos sujos às segundas feiras de manhã

Na realidade não é nada estranho, mas é um fenómeno. Constatei assim mais quase nas trombas quando, numa segunda feira de manhã, apareceram umas criaturas portadoras de todos os supostos para um dia de trabalho, desde as pastinhas até aos saltinhos agulha, passando por rabos grandes estreitados em saias justas e mal disfarçados por casacos curtos, mas com uns cabelos que pareciam ter saído da cama já de véspera e ainda atravessado umas praias e noitadas, não passando pela casa escova e pente. Sem falar de água, vinagre, desparasitador e máscara amaciadora.

É só olhar à volta numa segunda feira de manhã e o panorama capilar feminino é o passo antes de levantar voo a pedais de piolhos. É um cenário acantóforo (maravilhosa palavra que acabo de descobrir no priberam e que descreve exactamente o que se passa), apenas mitigado pela estratégia do apanhado. Porque ele há quem use a cabeleira em modo idade da pedra e quem use um elástico, até à hora do almoço.

Sim, porque eu refiro-me a segundas feiras de manhã. Aquelas manhãs em que os cabelos já estão pra lá da ida ao cabeleiro de quinta ou sexta (para o fim de semana) e aguardam, ansiosos (desgrenhados ou lambidos) pela hora em que se encosta a cabeça aquela porra desconfortável à brava, se esticam as mãos para a taça da manicure e se lavam e secam e arranjam os cabelos para começar uma semana em beleza, esquecendo a desgraça daquelas primeiras horas.

Na próxima segunda feira de manhã, olhem à volta e depois digam-me.




Referendo às grandes obras públicas, já!

Antes de mais, confesso que escrever aquele título ali em cima me dá uma volta ao estômago, assim por princípio. Eu acho que o povão (eu incluída) não tem nada que decidir sobre as decisões de investimento do país, quando, ainda por cima, metade dele (do povão) nem sequer sabe o que é investimento e 3/4 não consegue soletrar unvistomanto correctamente.

Mas o caso é grave e a crise ainda mais. Estamos num país à beira de abrir falência real (a técnica já lá vai) e ao povão é pedido que faça grandes sacrifícios. O povão já anda a fazer sacrifícios há anos, aos poucos, mas agora é que vão ser mesmo dos grandes. Mais dia menos dia, vão subir os impostos, directos, indirectos, que serão pagos por quem ainda tem emprego. O resto está desempregado. Todos os dias há mais gente a ser despedida. Já não é na fábrica lá longe que nos toca apenas como rodapé de telejornal. Quem não tem alguém de família ou amigo que não foi despedido recentemente, que ponha o dedo no ar. Toda esta gente (este povão que não sabe soletrar investimento) vai pagar uma factura muito cara nos próximos anos.

Acho que têm direito a escolha. Acho que ganharam o direito à escolha, por via dos sacrifícios já feitos e dos que estão para chegar. E acho que não precisamos de grandes obras estruturantes agora. Pela primeira vez na vida, mais uma coisa que me dá a volta ao estômago, concordo com o PR. O que é preciso é investir em indústrias de bens transaccionáveis. Não estamos em tempo de precisar de aeroportos e linhas de comboio e estradas novas, porque não vamos ter nada para enviar por elas. Trocado por miúdos, estamos em tempo de investir em indústrias que produzam coisas que se vendam, a ver se entram receitas.

Esta ideia de gastar mais para colocar as finanças em ordem faz-me uma confusão do caráças. Eu quero decidir para onde vai o meu IRS. Quero um referendo que pergunte claramente:

“prefere que o Governo gaste o montante de x milhares de milhões de euros no aeroporto, no TGV e numas vias rápidas ou prefere que o gaste com apoios às empresas, à modernização da indústria, à formação (séria!) de bons profissionais e a mais umas quantas centenas ou milhares de coisas que o país está a precisar mais agora?”

Caneco, se é para investir no futuro e não se ganhar nada agora com esses investimentos, ao menos, ao menos, então invistam na educação, que pode ser que a próxima geração, dessa forma, consiga pagar a conta.

(Nota: este post até parece uma coisa de esquerdalha, não fosse verificar que toda a direita e a esquerda acha estes investimentos completamente idiotas. Basicamente acho que toda a gente neste país acha estes investimentos completamente idiotas, à excepção dos idiotas que temos a mandar nesta merda)


Portugal e Grécia: vai tudo dar ao mesmo

Eu sei que nós sabemos que não é assim. Os gregos são mais morenos, faz de conta que lá se passam filmes de gajas a cantar Mamma Mia, têm mais estátuas e mais antigas, inventaram os Jogos Olímpicos e tinham deuses porreiros que abancavam com a malta nas jantaradas em chaises-longes, enquanto aqui na Lusitânia ainda estavam os dinossauros a pensar se se extinguiam ou se ainda resistiam a mais um aquecimento global. Além disso, têm um plano já todo encaminhado para que a dívida deles lhes seja paga pelos outros e nós ainda vamos na parte do gastar mais, a ver se rebenta e termos também direito a um planozinho Marshall do século XXI.

Mas os investidores estrangeiros, que acham que a Europa é mais ou menos tudo a mesma coisa, tirando a mulher do Sarkozy e a Merkel, claro que metem tudo no mesmo saco. Ainda mais se ficar no Sul e tiver o mesmo mar.

Porquê?

Ora então vejamos. Vamos fazer um exercício de imaginação geográfica, ok?

Se vos disser que a Bolsa de Singapura e de Hong Kong e a de Xangai e a de Nova Deli e a de Pneunhonguenhongue estão a subir umas mais que as outras, conseguem apontar no mapa, assim de repente, onde ficam essas cidades?

Pois. Bem me parecia.


4. A crise financeira trocada em moedas de cinco cêntimos: Portugal 2010

Estava eu aqui a pensar que era altura de prosseguir com a minha série “A crise financeira trocada em moedas de cinco cêntimos” (aconselho a leitura dos posts anteriores). Eis senão quando vejo este post da Jonasnuts, exactamente a pedir que lhe fosse trocada esta porra toda nas tais moedas de cinco cêntimos. Foi o empurrão que precisava.

Nos posts anteriores, expliquei como funcionava a Aldeia Global, as trocas comerciais, as economias de escala, as sinergias e outros palavrões, incluindo a parte da Bolsa ser volátil, quando entra tudo em pânico. Agora a ver se consigo, sem cenouras, coelhos ou a empresa dos primos, dar uma (pelo menos vaga) ideia do que aqui se está a passar em Portugal, num formato que toda a gente entenda. É que isto da Economia e das Finanças, a sério, não acreditem quando vos dizem que é complicadíssimo. Só é complicadíssimo porque a malta que sabe mais da coisa gosta 1. de complicar e 2. que ninguém mais perceba para que 3. possa dizer uma data de asneiras sem ser apanhada pelo grande público.

E depois, não é uma ciência exacta, a Economia. Há correntes ideológicas, ie, há gajos que pensam que se se puxar por aqui, rasga ali e outros que acham que, se se empurrar acoli, não rasga e fica mais firme. E o que a realidade nos tem dito é que, nuns casos funciona numas alturas e noutros casos funciona noutras alturas e não funciona noutros casos e, basicamente é uma questão de, com grandes parangonas e palavras no mínimo esdrúxulas, se aplicar a teoria “agora a ver o que acontece se carregar neste botão”. Soa familiar? Pois claro que soa, a economia é igual ao resto.

Vamos lá por partes e começar com o orçamento, as contas públicas e o défice, como se fosse a economia do lar. As minhas caras leitoras trabalham e ganham, vamos supor, 1000 euros por mês. Entre contas da casa, dívidas com crédito à habitação e outros, colégios, roupa e mais aqueles pares de sapatos que temos mesmo que comprar, no final do mês gastam 1200 euros. Uma chatice, hein? Temos aqui um buraco financeiro de 200 euros que, olha que giro, se chama défice. É a diferença negativa entre o que se ganha (a receita) e o que se gasta (a despesa). O Estado é igual, sendo que a receita vem por via de impostos e mais umas quantas merdas e gasta, quanto a mim, mais em pares de sapatos do que a pagar água e luz.

Bom, mas temos ali aqueles 200 euros para pagar e mesmo mudando de assunto e assobiando para o lado e deixando passar uns tempos a ver se alguém se esquece (que é o que o Estado mau pagador faz muitas vezes), a porcaria do défice continua lá. Há que recorrer a alguém para nos emprestar aquele montante. Vamos supor então que recorremos ao CC (Cartão de Crédito) para pagar o tal buraco. A escolha é merdosa, claro, os juros do CC são altos, mas é o que há. Vai daí transformamos o défice em dívida externa. Porque ali no nosso caso é o CC, mas no caso do Estado, tem que ir buscar o cacau fora. Pede emprestado a outros países para pagar a dívida presente e a maneira mais simples é emitir dívida pública, ou seja, emite uns papelinhos (Titulos, daí que esse tipo de dívida se chama “dívida titulada”) do Tesouro. A malta que vive na Aldeia Global compra aquilo, fica com os papelinhos e empresta o dinheiro. E o Estado lá equilibra as contas, mas fica com a dívida para pagar mais tarde.

No mês seguinte, o défice é de 300 euros, porque havia também uma carteira giríssima em saldos e quem diz uma carteira diz um CCB ou um TGV ou um hospital. Lá emite o Estado mais dívida pública e o défice agora é de 500 euros. E no mês seguinte a coisa continua assim, no descalabro crescente.

Chega a uma certa altura e uma pessoa diz, porra, este saldo do CC, catano, nem que eu agora poupe em sapatos e na água e luz e mude de casa para uma mais pequena, não o vou conseguir pagar tão cedo. Ai meu Deus e agora? e enquanto se chora muito ou diz, ah não quero saber, tá tudo bem, nem é nada comigo, nessa precisa altura o CC olha para aquela continha tão linda, tão alta e vê que aquela pessoa não só continua a ganhar 1000 euros e não faz grande coisa para poupar, como se calhar não vai pagar mesmo. E o que é que faz? AUMENTA A TAXA DE JURO. Porque aumentou o risco.

Ok, quando estamos a falar do CC, na realidade não é mesmo o CC que pensa isso. Faz de conta que há uns gajos que ganham a vida a olhar para quem deve e vão analisando as contas daquela pessoa e o comportamento em relação a tudo: se produz mais, se vai ganhar mais, se tem emprego estável, ou se a coisa está a ficar preta e aquela pessoa não tem lá muitas condições de pagar. E diz ao Visa, cuidado com a Catarina Campos, olha que se fartou de gastar em sapatos, não poupou um tusto, continua a aumentar o que deve e qualquer dia não paga. E abota umas letrinhas à frente daquele nome. Se é cinco estrelas e vai pagar tudo a tempo e horas, mete, vamos supor, três AAA. Mas se talvez pague talvez não, se calhar vai ter dificuldades já mete, sei lá, uma coisa assim mais parecida com dois BB. E depois ainda avisa se a coisa está estável, se tem tendência a piorar ou a melhorar e mete um sinal mais ou um sinal menos. Coisa mesmo básica, esta notação, mas chama-se notação de risco (risk rating) e esses gajos (existem mesmo!) que ganham a vida a meter letrinhas à frente de nomes de países e empresas, chamam-se agências de rating.

E, tal como dois parágrafos atrás se referia, quanto maior estes gajos dizem que é o risco, maior é a taxa de juro. Isto é simples, mas eu explico: vocês emprestam dinheiro a alguém que sabem que vai pagar. Há um risco baixinho, os juros são baixinhos. Se vão emprestar a alguém que pode ter dificuldades em pagar, o risco é maior e os juros também são mais altos. Ok, eu sei que isto em termos lógicos não faz sentido nenhum, porque se alguém já tem dificuldade em pagar, se tiver que pagar juros altos ainda vai ser mais difícil, mas isto não é um jogo de lógica: isto é a lei básica da economia, de procura e oferta. Se uma pessoa é bom pagador, toda a gente lhe empresta. Os “emprestadores” são muitos, concorrem entre si e baixam o preço do empréstimo (a taxa de juro é isso mesmo, grosso modo, o preço do empréstimo). Quando o tipo que pede emprestado não é de grande confiança, menos gente está disposta a emprestar e o preço sobe. É como os sapatos da Foreva e da Stivalli, tal e qual. E pamordeus, vamos chamar os bois pelos nomes de uma vez, repitam comigo: quem empresta chama-se MUTUANTE. E quem pede emprestado chama-se MUTUÁRIO (colem nos frigoríficos).

O que é que me falta? Ah a Bolsa. A Bolsa está explicada em posts anteriores (este e este). O que aconteceu agora é que há uns tempos as agências de rating desceram o rating de Portugal. Da tal dívida pública, cujos juros subiram, o que a faz mais yummy, embora para menos investidores. Por cá acenou-se com o PEC, assobiou-se um nadinha, discutiu-se muito e ninguém levou a sério o Ministro das Finanças. Toda a gente fala muito sobre apertar o cinto mas ninguém se entende sobre o como, entretanto o PM também não consegue ter sol na eira e chuva no nabal e não foi exactamente firme e hirto a mostrar aos mercados internacionais (os tais que compram os títulos de dívida pública – e outros privados, como acções de empresas portuguesas) que nós somos sérios e pagamos o que devemos, os investidores enervaram-se, tiveram um ataque de pânico, estupidez e cupidez (se quiserem depois explico a parte da cupidez e manipulação de mercados) vá de vender acções à força toda, a Bolsa desceu (o que desce é o índice, a Bolsa fica na mesma rua) e as agências de rating pensaram, pronto estes macacos são piores que os gregos (esses já estão na fase pedir a toda a gente que lhes pague a dívida, que eles não conseguem sozinhos) e vamos mas é baixar mais o rating. E pimbas, foi o que aconteceu.

Finalmente, respondendo à Jonasnuts “e agora o que é que eu faço?” Pois, nada. Amealhar uns cobres, pensar numa horta, manter o emprego. Principalmente manter o emprego. E reflectir sobre quem vai realmente pagar tudo isto que o Estado (que somos nós todos) deve a toda a gente, mercê da acumulação de défices seguidos, patrocinados por mais dívida pública. Nós? Sim, nós, os nossos filhos, os nossos netos. Esta porra está à beira de ir dormir para debaixo de uma ponte. É que vender aos estrangeiros já nem vale a pena, porque, na realidade, já nos compraram.


Nigella Lawson

Nunca tinha visto nada, apesar de estar farta de ouvir falar. Mas o meu amigo Xerxes meteu aqui um link nos comentos, fui logo clicar e sai-me a mulher a cozinhar uma coisa que deve ser enjoativíssima.

Fiquei completamente fã. Quando for grande quero ser a Nigella.


Viabilização sustentável da AR

Projecto de viabilidade económico-financeira e de sustentabilidade para a Assembleia da República, sob a nova doutrina de gestão empresarial, vulgarmente apelidada de “Fruta só em Permuta”

1. Dado que actualmente nos inserimos num meio de características extremamente voláteis, num contexto em binómio de crise económica /crise de valores, i.e., ao miserável estado de contas de Estado acresce uma alargar de demagogia, já sem falar na perversa e maldosa postura dos venenosos meios de comunicação social, que insistem em apenas dar relevo a más notícias, este projecto visa solucionar se não a primeira crise, pelo menos a segunda, sob o formato de “atiramos areia para os olhos dos contribuintes, mas ao menos fazêmo-lo de forma consistente”.

2. Passamos assim a enumerar as letras e a metodologia sistemática para um bom desempenho deste projecto:

2.a) Custos fixos da AR: cortes globais de 50% passando os restantes 50% a serem financiados da seguinte forma:

– Assinatura de protocolos com empresas fornecedoras dos serviços requeridos, em troca de fruta, perdão, de publicidade gratuita no Canal AR; não é necessário concurso público já que apenas gasta tempo, garantindo-se a transparência deste processo com recurso a prova de laço familiar. Dá-se prioridade a empresas nacionais, de preferência PME’s em consórcio, se algum deles conseguir resistir mais do que duas semanas sem se pegarem todas ao estalo.

2.b) Custos com o pessoal: cortes de 50%, passando os restantes 50% a serem financiados da seguinte forma:

– Assinatura de protocolos com centros de emprego, colocando todo o pessoal em regime de recibo verde e se não gostarem, pois há mais uma data deles na fila. Do pacote negocial, para além do salário mínimo, deverá ser ainda fornecida uma refeição quente por dia e quatro bicas, acompanhadas de pastel de nata ou similar. A água deverá sempre ser da torneira e os funcionários deverão trazer e manter os recipientes respectivos em condições compatíveis com as normas da saúde pública. Não há permuta de copos.

2.c) Custos com os deputados: não há lugar a cortes, senão amuam, fecham os computadores com muita força e abstêm-se em massa nas votações, o que, manifestamente, não é desejável para o país que, dessa forma, não pode andar para a frente; os restantes 100% a serem financiados da seguinte forma:

– Implementação de sistema de avaliação dos deputados, sendo o avaliador o Dr. Jaime Gama, que é a única pessoa que sabe o que se passa na AR;

– Assinatura de protocolos com centros de emprego, podendo ser os deputados substituídos por indicação do Dr. Jaime Gama, se a avaliação não satisfizer os critérios desejáveis: nos centros de emprego, dever-se-á dar prioridade a desempregados de longo prazo, dado deterem esses as melhores capacidades de análise do país real. Haverá também aqui uma economia adicional nos subsídios de refeição, pois para quem sobrevive a comer dos caixotes do lixo dos hipermercados, qualquer refeição quente por dia, acrescida de 6 bicas acompanhadas de pastel de nata (ou similar) serve. Os deputados podem levar os restos da cantina para casa, desde que respeitem as normas vigentes de manutenção da saúde pública.

– Viagens: os deputados deverão ter direito a subsídio de viagem em transporte público, no percurso entre a AR e o círculo pelo qual se candidataram, já que as restantes variadas moradas podem dar azo a confusões e conflitos. Nos casos em que um deputado que viva mais perto do que o círculo pelo qual se candidatou, o subsídio de viagem aplicável é o do percurso mais curto.

– Manutenção de imagem: a AR deverá assinar protocolos com empresas fornecedoras de materiais para a manutenção da imagem dos deputados, como seja vestuário, sapatos, maquilhagem, artigos de higiene e perfumaria, e outros, sendo estes custos debitados às empresas fornecedoras desses mesmos bens, em troca de espaços publicitários no Canal AR. Seria desejável que o âmbito se mantivesse no apoio às empresas nacionais, mas não descobrimos nenhuma, pelo que se poderá equacionar um alargamento à chamada zona ibérica.

2.d) Outras medidas:

2.d) i. A AR deverá efectuar todos os esforços no sentido da maximização da sustentabilidade, mormente na implementação de sistemas de energia renováveis, sistemas agro-pecuários (horta, pomar e animais de criação) e outros que se verifiquem necessários.

2.d) ii. Merchadishing: a AR deverá equacionar a venda online de produtos desta natureza, como canetas com bolhas onde está uma AR pequenina a andar para cima e para baixo, produtos de artesanato – lenços, toalhas de mesas, aventais e outros – bordados com motivos escritos, de actas de comissões de inquérito e ética, t-shirts com frases célebres como “Manso é a tua tia, pá!”, “Vai pó caralho!” ou retratos de ministros com as mãos na testa e afins, miniaturas do Jaime Gama e cachecóis e bonés com as cores dos partidos.

2.d) iii. Ateliers de tempos livres para os mais novos: os meses de Verão deverão ser preenchidos com comissões educativas na vida cívica e parlamentar a grupos etários em idade escolar, podendo os projectos neste âmbito ser igualmente de cariz partidário (projecto cada dia da semana com 1 partido), a fim de demonstrar todas as políticas vigentes e dando dessa forma aos partidos a oportunidade de angariar clientela na faixa mais nova e permeável a todo o tipo de teorias. No final de cada semana, o grupo que apresente o melhor projecto de cidadania tem direito a votar uma lei à escolha.

3. Este projecto irá potenciar não só a viabilização da AR como constituirá um exemplo para o país e para o mundo, colocando Portugal na vanguarda da gestão dos seus recursos políticos. O prazo de execução é de 6 meses, findo os quais passa o Estado a pagar juros de mora à taxa vigente a todos os contribuintes até à abertura de concurso internacional para a mesma finalidade.

(post em stereo no 31 da Sarrafada)


Estou farta da Inês de Medeiros

Quer dizer, não é mesmo dela, que nem a conheço. Sei que é deputada, filha do Maestro Vitorino de Almeida, neta da escritora Odette Saint Maurice, irmã da Maria de Medeiros, enfim, é “conhecida”, mas isso nem sequer me rala minimamente. As pessoas não têm culpa de nascerem de famílias conhecidas ou desconhecidas e se alguém tem complexos com isso, meta uma rolha. Como deputada, se agora me perguntassem de repente de que partido é, também não me ocorria no segundo seguinte. Admito que faça um excelente trabalho, no partido que for que, deprendo, seja o partido do Governo, apenas o desconheço porque será certamente em áreas que não me atraiam a atenção. Mais. Admito perfeitamente que seja mulher e mãe extremosa e sacrificada, a viver longe da família, a qual só vê ao fim de semana e que se desfará em trabalhos e recomendações. Como qualquer pessoa que vive longe da família, por motivos profissionais.

Nas empresas, uma pessoa quando vai trabalhar para fora, opta por levar consigo a família ou ir visitá-la quando pode e, caso seja possível, negoceia antes um pacote de viagens para que esse andar-de-cá-para-lá não se torne tão oneroso. É evidente que, na maioria dos casos, a opção de viver longe da família se prende com motivos profissionais e económicos, porque se ganhará melhor ou coisa parecida. Conheço bem a situação, dado que, desde miúda, passei grande parte da minha minha vida longe dos meus pais (ou, em certas alturas, só do meu pai) e/ou das minhas irmãs. São opções e sacrifícios que se fazem e que afectam as famílias no seu todo.

Mas não só nas empresas. No Estado é igual. Os professores ou os polícias começam as carreiras e são colocados no cu de judas, por exemplo. Aí, já nem sequer se trata de opções, é isso ou nada. É quase uma questão de sobrevivência das famílias. E, do lado de lá do espectro, temos aquela gente toda que emigra para sobreviver.

Isto tudo para dizer que não é só a Inês de Medeiros que tem que viver, sacrificadamente, longe da família. Há milhões de pessoas no mundo a viver longe das famílias. Há literalmente milhões de portugueses a viver longe das famílias. Arriscaria dizer que praticamente toda esse gente, quando vai visitar a família, paga do seu bolso. 99,99999% vá. Ou seja, não paga do seu bolso quem negociou um pacote de viagens ou quem tem direito a subsídio de viagens.

Como é sobejamente sabido, não está aqui em causa que a Inês de Medeiros não tenha direito a subsídio de viagens. Parece-me esse facto completamente esclarecido e não haver margem para dúvidas. Por qualquer razão (uma daquelas zonas em branco que os nossos códigos são pródigos a providenciar para que a cor da lei possa ser sempre cinzenta parda) a Inês de Medeiros pode ir a casa todos os fins de semana, que o Parlamento paga. Como paga a todos os outros deputados.

Calha é que a senhora vive um bocadito mais ali adiante que o normal deputado deportado de Onde Judas Perdeu as Botas mas ainda em território nacional. Provavelmente o deputado que vive em Onde Judas Perdeu as Botas lá para diante, onde as estradas são às curvas apertadas por muitos quilómetros demora mais tempo a ir a casa do que a Inês de Medeiros. Se calhar nem vai lá todos os fins de semana e, provavelmente a Inês de Medeiros também não. A Inês de Medeiros vive em França, logo por azar em Paris, que é cidade que, na cabeça dela, provoca imensas invejas, coisa que estranho imenso: estamos fartos de saber que os franceses são um bocadinho de nada xenófobos e os portugueses só começaram a ser melhor vistos quando chegaram os magrebinos. Mas lá está, cada um vive onde quer ou pode. Isso também não está em causa.

Mais. Nem sequer me provoca grande atrito emocional o facto de a factura das viagens ser mais alta que a do deputado que vive ali ao lado da Assembleia. Lá está, cada um vive onde quer ou pode. Infelizmente, os 1200 euros por semana fazem muita falta a muitos portugueses e prestam-se a grandes demagogias e comparações com ordenados mínimos e/ou aqueles subsídios de reinserção social à malandragem. A rapaziada normal aperta cada vez mais o cinto e aborrece-se com a facto de o Estado – nós todos, isto é, aqueles que pagam impostos, mais precisamente – pagar fins de semana na Cidade da Luz a uma senhora que ainda por cima sofre sempre daqueles ónus de ter sido colocada nas listas a deputados por ter um nome conhecido e uma cara gira. É um conjunto de factores que cria sinergias aborrecidas.

Não. Nada disto me causa esta náusea que tenho sempre quando se fala deste assunto. O que me chateia é esta história dos círculos eleitorais. O que me chateia é a Inês de Medeiros ter concorrido pelo círculo de Lisboa, recenciada numa qualquer freguesia da cidade. Não há nada na lei, aparentemente, que obrigue as pessoas a recensearem-se onde têm a morada oficial. É um facto que me chateia mesmo. Temos morada oficial, temos morada fiscal, temos que meter os miúdos nas escolas públicas das moradas onde vive o encarregado de educação, temos que ir ao hospital e ao médico de família da zona, enfim vivemos oficialmente obrigados pelos organismos do estado naquela zona circunscrita. Mas para se ser deputado, que é vá, um cargo alto da nação e essas merdas, já podemos ter não sei quantas moradas, uma para votar, uma para viver, uma para o que for preciso.

Caramba, a nação agradece o sacrifício da Inês de Medeiros, mas estou certa que haverá mais gente interessada naquele emprego. Mesmo que não lhe sejam pagas viagens. É assim, uma questão de honestidade moral, uma coisa ética, quanto mais não seja para deixarmos de andar aborrecidos com este fait divers e passarmos a ter outro qualquer para escrever posts.

(publicado em stereo no 31 da Sarrafada)

Adenda: Acabo de ler o post de António Filipe, que muda o caso de figura. Citando o post “Importa talvez começar pelo mais importante: é completamente falso que o Conselho de Administração da AR tenha decidido pagar viagens a Paris à deputada Inês de Medeiros. O que foi decidido foi atribuir a essa deputada um subsídio de transporte equivalente ao da maior distância dentro do território nacional, o que faz toda a diferença.

Sendo assim, realmente faz toda a diferença.