Estava eu aqui a pensar que era altura de prosseguir com a minha série “A crise financeira trocada em moedas de cinco cêntimos” (aconselho a leitura dos posts anteriores). Eis senão quando vejo este post da Jonasnuts, exactamente a pedir que lhe fosse trocada esta porra toda nas tais moedas de cinco cêntimos. Foi o empurrão que precisava.
Nos posts anteriores, expliquei como funcionava a Aldeia Global, as trocas comerciais, as economias de escala, as sinergias e outros palavrões, incluindo a parte da Bolsa ser volátil, quando entra tudo em pânico. Agora a ver se consigo, sem cenouras, coelhos ou a empresa dos primos, dar uma (pelo menos vaga) ideia do que aqui se está a passar em Portugal, num formato que toda a gente entenda. É que isto da Economia e das Finanças, a sério, não acreditem quando vos dizem que é complicadíssimo. Só é complicadíssimo porque a malta que sabe mais da coisa gosta 1. de complicar e 2. que ninguém mais perceba para que 3. possa dizer uma data de asneiras sem ser apanhada pelo grande público.
E depois, não é uma ciência exacta, a Economia. Há correntes ideológicas, ie, há gajos que pensam que se se puxar por aqui, rasga ali e outros que acham que, se se empurrar acoli, não rasga e fica mais firme. E o que a realidade nos tem dito é que, nuns casos funciona numas alturas e noutros casos funciona noutras alturas e não funciona noutros casos e, basicamente é uma questão de, com grandes parangonas e palavras no mínimo esdrúxulas, se aplicar a teoria “agora a ver o que acontece se carregar neste botão”. Soa familiar? Pois claro que soa, a economia é igual ao resto.
Vamos lá por partes e começar com o orçamento, as contas públicas e o défice, como se fosse a economia do lar. As minhas caras leitoras trabalham e ganham, vamos supor, 1000 euros por mês. Entre contas da casa, dívidas com crédito à habitação e outros, colégios, roupa e mais aqueles pares de sapatos que temos mesmo que comprar, no final do mês gastam 1200 euros. Uma chatice, hein? Temos aqui um buraco financeiro de 200 euros que, olha que giro, se chama défice. É a diferença negativa entre o que se ganha (a receita) e o que se gasta (a despesa). O Estado é igual, sendo que a receita vem por via de impostos e mais umas quantas merdas e gasta, quanto a mim, mais em pares de sapatos do que a pagar água e luz.
Bom, mas temos ali aqueles 200 euros para pagar e mesmo mudando de assunto e assobiando para o lado e deixando passar uns tempos a ver se alguém se esquece (que é o que o Estado mau pagador faz muitas vezes), a porcaria do défice continua lá. Há que recorrer a alguém para nos emprestar aquele montante. Vamos supor então que recorremos ao CC (Cartão de Crédito) para pagar o tal buraco. A escolha é merdosa, claro, os juros do CC são altos, mas é o que há. Vai daí transformamos o défice em dívida externa. Porque ali no nosso caso é o CC, mas no caso do Estado, tem que ir buscar o cacau fora. Pede emprestado a outros países para pagar a dívida presente e a maneira mais simples é emitir dívida pública, ou seja, emite uns papelinhos (Titulos, daí que esse tipo de dívida se chama “dívida titulada”) do Tesouro. A malta que vive na Aldeia Global compra aquilo, fica com os papelinhos e empresta o dinheiro. E o Estado lá equilibra as contas, mas fica com a dívida para pagar mais tarde.
No mês seguinte, o défice é de 300 euros, porque havia também uma carteira giríssima em saldos e quem diz uma carteira diz um CCB ou um TGV ou um hospital. Lá emite o Estado mais dívida pública e o défice agora é de 500 euros. E no mês seguinte a coisa continua assim, no descalabro crescente.
Chega a uma certa altura e uma pessoa diz, porra, este saldo do CC, catano, nem que eu agora poupe em sapatos e na água e luz e mude de casa para uma mais pequena, não o vou conseguir pagar tão cedo. Ai meu Deus e agora? e enquanto se chora muito ou diz, ah não quero saber, tá tudo bem, nem é nada comigo, nessa precisa altura o CC olha para aquela continha tão linda, tão alta e vê que aquela pessoa não só continua a ganhar 1000 euros e não faz grande coisa para poupar, como se calhar não vai pagar mesmo. E o que é que faz? AUMENTA A TAXA DE JURO. Porque aumentou o risco.
Ok, quando estamos a falar do CC, na realidade não é mesmo o CC que pensa isso. Faz de conta que há uns gajos que ganham a vida a olhar para quem deve e vão analisando as contas daquela pessoa e o comportamento em relação a tudo: se produz mais, se vai ganhar mais, se tem emprego estável, ou se a coisa está a ficar preta e aquela pessoa não tem lá muitas condições de pagar. E diz ao Visa, cuidado com a Catarina Campos, olha que se fartou de gastar em sapatos, não poupou um tusto, continua a aumentar o que deve e qualquer dia não paga. E abota umas letrinhas à frente daquele nome. Se é cinco estrelas e vai pagar tudo a tempo e horas, mete, vamos supor, três AAA. Mas se talvez pague talvez não, se calhar vai ter dificuldades já mete, sei lá, uma coisa assim mais parecida com dois BB. E depois ainda avisa se a coisa está estável, se tem tendência a piorar ou a melhorar e mete um sinal mais ou um sinal menos. Coisa mesmo básica, esta notação, mas chama-se notação de risco (risk rating) e esses gajos (existem mesmo!) que ganham a vida a meter letrinhas à frente de nomes de países e empresas, chamam-se agências de rating.
E, tal como dois parágrafos atrás se referia, quanto maior estes gajos dizem que é o risco, maior é a taxa de juro. Isto é simples, mas eu explico: vocês emprestam dinheiro a alguém que sabem que vai pagar. Há um risco baixinho, os juros são baixinhos. Se vão emprestar a alguém que pode ter dificuldades em pagar, o risco é maior e os juros também são mais altos. Ok, eu sei que isto em termos lógicos não faz sentido nenhum, porque se alguém já tem dificuldade em pagar, se tiver que pagar juros altos ainda vai ser mais difícil, mas isto não é um jogo de lógica: isto é a lei básica da economia, de procura e oferta. Se uma pessoa é bom pagador, toda a gente lhe empresta. Os “emprestadores” são muitos, concorrem entre si e baixam o preço do empréstimo (a taxa de juro é isso mesmo, grosso modo, o preço do empréstimo). Quando o tipo que pede emprestado não é de grande confiança, menos gente está disposta a emprestar e o preço sobe. É como os sapatos da Foreva e da Stivalli, tal e qual. E pamordeus, vamos chamar os bois pelos nomes de uma vez, repitam comigo: quem empresta chama-se MUTUANTE. E quem pede emprestado chama-se MUTUÁRIO (colem nos frigoríficos).
O que é que me falta? Ah a Bolsa. A Bolsa está explicada em posts anteriores (este e este). O que aconteceu agora é que há uns tempos as agências de rating desceram o rating de Portugal. Da tal dívida pública, cujos juros subiram, o que a faz mais yummy, embora para menos investidores. Por cá acenou-se com o PEC, assobiou-se um nadinha, discutiu-se muito e ninguém levou a sério o Ministro das Finanças. Toda a gente fala muito sobre apertar o cinto mas ninguém se entende sobre o como, entretanto o PM também não consegue ter sol na eira e chuva no nabal e não foi exactamente firme e hirto a mostrar aos mercados internacionais (os tais que compram os títulos de dívida pública – e outros privados, como acções de empresas portuguesas) que nós somos sérios e pagamos o que devemos, os investidores enervaram-se, tiveram um ataque de pânico, estupidez e cupidez (se quiserem depois explico a parte da cupidez e manipulação de mercados) vá de vender acções à força toda, a Bolsa desceu (o que desce é o índice, a Bolsa fica na mesma rua) e as agências de rating pensaram, pronto estes macacos são piores que os gregos (esses já estão na fase pedir a toda a gente que lhes pague a dívida, que eles não conseguem sozinhos) e vamos mas é baixar mais o rating. E pimbas, foi o que aconteceu.
Finalmente, respondendo à Jonasnuts “e agora o que é que eu faço?” Pois, nada. Amealhar uns cobres, pensar numa horta, manter o emprego. Principalmente manter o emprego. E reflectir sobre quem vai realmente pagar tudo isto que o Estado (que somos nós todos) deve a toda a gente, mercê da acumulação de défices seguidos, patrocinados por mais dívida pública. Nós? Sim, nós, os nossos filhos, os nossos netos. Esta porra está à beira de ir dormir para debaixo de uma ponte. É que vender aos estrangeiros já nem vale a pena, porque, na realidade, já nos compraram.