Era um fim de semana como outro qualquer dentro de um hiipermercado. O que significa que todas as pessoas que não conseguem ir durante a semana, em chegando sábado, armam-se de muita paciência, lista de compras e moedas de cinquenta cêntimos para o carrinho e avançam sem medo contra todas as outras criaturas de merda que tiveram a mesma ideia. Com filhos é ainda mais giro porque eles dispõem de uma mobilidade prórpia que os leva a quererem sempre ir para os corredores das bolachas e das gomas e fazerem fita se acaso nos demoramos mais a escolher o detergente da roupa. Acabamos na caixa com o carrinho cheio de mais embalagens de bolachas do que era suposto, faltas na lista e mais grave ainda, a paciência toda já se esgotou entre o tipo que estacionou o carrinho no meio do corredor e foi à vida dele, a palete (que deve ter mais tês e éles que esta daqui da frase mas que não me apetece agora ir ver quantos e onde) que ia atropelando o garoto e o dito garoto que está farto de ali estar (e cheio de razão).
E, invariavelmente, na caixa está uma fila enorme, demora-se uma eternidade até chegar a nossa vez e enquanto acabamos de colocar as compras no coiso das compras, a criança há-de enfiar-se por baixo desse coiso e emergir coberta de lixo e cotão. Ralhamos e enquanto isso, depreende-se mais tarde, a pessoa da frente já pagou e um empregado fez a pergunta ao cliente seguinte (a mãe desvairada que tira bocados de cotão da cabeça do filho), tem cartão família?
E o cliente atrasa-se uns segundos a responder.
É como nos semáforos.
De repente, vindo do nada (o nada sendo aqui talvez o número três abaixo na fila atrás) aparece um daqueles velhos que tem sempre uma buzinadela para dar. E a buzinadela reza mais ou menos assim
olhe lá! ande lá com isso para a frente, tá óvir? Estas gajas com a mania a atrasar as pessoas que estão à espera, é sempamemamerda! Ande lá com isso! Sempasmesmas! Váláver! Ande lá com isso óóó!
e depois mais baixo, mas ainda bastante alto
éxtópida!
A extópida primeiro fica com cara de parva e nem percebe. Por segundos olha à volta para ver com quem é aquilo até perceber que é com ela. E depois passa-lhe uma coisa pela vista e a coisa é vermelha de fúria.
Volto-me para trás, vejo a fila toda em suspenso, as caras satisfeitas das pessoas por ter havido alguém que deu uma bela lição à tal gaja extópida, o velho a resplandecer de glória e abro a boca
CALMA!!!!
E só depois é que percebo que aquela palavra me saiu do fundo da alma. E a alma quando se quer fazer ouvir, faz-se mesmo ouvir desde a caixa 36 até à 40 (e para números abaixo idem, mas estou farta de contar pelos dedos e agora não estou a ver se é da 32 ou da 33).
Dou conta de três coisas ao mesmo tempo:
– dói-me imenso a garganta de repente (mais tarde percebo que fiquei rouca)
– está um silêncio de morte num raio de 20 metros
– o meu filho continua a rir e a tirar cotão das calças (ou é imune ou ensurdeceu)
Ninguém diz mais nada. Nadinha nadinha. Eu estendo o cartão família e digo mais baixo
– era só o que me faltava e agora vou demorar mesmo muito tempo a arrumar as minhas compras
mas não é preciso.