Tenho este hábito de nunca me ir embora sem deixar escrita uma mistura de desejos de boas festas e anos felizes, de balanços e esperanças, de beijos e abraços, coisas assim. Não estou habituada a que a net me siga pelas férias (embora este ano vá ser dessa forma) e, apesar de ter tido sempre processadores de texto, a verdade é que em férias sempre escrevi em caderninhos…hábitos de anos que ficam agarrados aos locais.
Não gosto – agora não gosto, se calhar antes gostava, já nem sei – de balanços. Prefiro planos. Os dias que ficam para trás, lembramo-nos dos bons e fazemos delete aos menos bons, a idade não perdoa, o disco de memória está mais cheio, é preciso escolher as coisas que valem a pena e deitar as outras fora. Enquanto embrulho presentes e faço laços muito mal feitos (mas gosto, gosto de os fazer eu) para todas as pessoas que adoro e com quem vou estar, sem quaisquer dós ou peninhas, pura e simplesmente, deito para o lixo, com os restos dos papéis e bocados de fita adesiva, todas as coisas, frases, situações e até pessoas que me incomodaram, que me magoaram, que não valiam a pena e não me mereceram. Egocêntrica, sim, sempre, egoísta, quero o que é meu, o que eu gosto, o que eu amo, o resto que vá no saco, quando a camioneta apitar a marcha atrás e esvaziar o caixote. É assim que se começa, que se recomeça sempre, de alma lavada, de cara alegre, de sorrisos felizes dos dias bons que ficaram, dos dias bons que aí vêm. Outros dias, outras coisas, que não sou capaz de ficar no mesmo sítio muito tempo, andando sempre para a frente, para o que acontecer, aparecer, para o que continua, para o que tenho e para o que vou ter. Acho que, a fazer um balanço, este terá sido o ano da confirmação: do que sou, do que fui, do que vou ser. Com a aceitação das coisas más (embora eu seja perfeita e não tenha nenhumas) e das boas (sou muita boa).
Obrigada por me aturarem estes desvarios de alma, agora menos, agora menos, que também isso passa para outro plano, não me fazem falta, se calhar encorporei-os na minha vida e não preciso de os despejar aqui. O meu período de desligamento (agora terminado) serviu para isso, para englobar em mim as coisas que estavam à margem: os anõezinhos dos fios electricos e das frinchas das portas que eu sacudia dos ombros quando se penduravam aos meus ouvidos, agora fazem raves em cima da minha cabeça e eu acho-lhes graça, acho-lhes piada, até os oiço às vezes, mas não lhe ligo muito: não passam de pedaços da minha imaginação, pequenos; e a minha imaginação é imensa.
Acho que o ano que vem vai ser o ano em que vou aprender a voar. Finalmente voar, para longe umas vezes, para perto outras. Tenho passado estes anos todos a bater as asas, às vezes contra as paredes, outras vezes contra chamas atraentes, às vezes em vão; mas nada se perde, todos os tempos mesmo aqueles que concluimos que só têm como destino ser deleted items, servem para qualquer coisa. Digo eu que ando aqui há uns anos já, mas ainda poucos, ainda poucos. Talvez aos cem anos saiba e entenda qualquer coisa disto, mas cheira-me que nem nessa altura. E, se calhar, ainda bem: é giro que o mundo e a vida se mantenham cheios de mistérios e de respostas para perguntas que não sabemos quais são.
Feliz Natal, meus amigos.