Sentamo-nos e olhamos para a frente. Um cheiro a refogado que não se aguenta. Está um tipo esgroviado, a comer arroz de cenoura e ervilhas de uma embalagem transparente rectangular. Desviam-se os olhos para o outro lado onde está uma rapariga com um lenço cor de rosa enrolado ao pescoço, uma mini saia e perna cruzada, a ler um jornal. Olho para os sapatos de salto agulha muito alto e verifico que são, sem exagero, pelo menos três números acima do tamanho do pé. Ficamos aparvalhados “mas como é que ela consegue andar com aquilo?”. Ela sai numa estação anterior e ficamos a ver se anda bem sem chinelar. O espanto é que sim, anda normalmente. Deve estar com os dedos dos pés cravados nas biqueiras. Nunca pensei que fosse possível.
Quando saimos já vamos a meio da história. Os pais não a deixam sair naquela figura, pediu uns sapatos emprestados a uma amiga e leva as chinelas na carteira. Ou então não tem dinheiro para saltos altos e ofereceram-lhe aqueles. Não sabe que pode meter uma bola de papel na ponta e ficar com os pés mais atrás. Quando volta para casa, esconde os sapatos.
O tipo do arroz de cenoura e ervilhas continua dentro do metro, a comer.