100nada

A minha terra

Da Coimbra que guardo, pouco resta. Acabava ali na estação velha, no Tovim, um pouco adiante da avenida ao longo do Mondego. Agora, quando lá passo, encontro uma cidade antiga, a cair aos bocados pouco a pouco, sufocada pelo betão.

Resta-me um fado de recordações.
As histórias dos estudantes, um casal sentado no chão e a fugir da água azul.
A ouvir o Zeca Afonso, as canções que, mais tarde, também eu aprendi de cor.

Vejam bem
Que não há
Só gaivotas
Em terra
Quando um homem
Se põe
A pensar

Quem lá vem
Dorme à noite
Ao relento
Na areia
Dorme à noite
Ao relento
Do mar

E se houver
Uma praça
De gente
Madura
E uma estátua
De febre
A arder

Anda alguém
Pela noite
À procura
E não há
Quem lhe queira
Valer

Vejam bem
Daquele homem
A fraca
Figura

Desbravando
Os caminhos
Do pão

E se houver
Uma praça
De gente
Madura
Ninguém vai
Levantá-lo
Do chão

Vejam bem
Que não há
Só gaivotas
Em terra
Quando um homem
Se põe
A pensar

Quem lá vem
Dorme à noite
Ao relento de areia
Dorme à noite
ao relento do mar

0 thoughts on “A minha terra

  1. Paulo

    Esse é um dos poemas de Zeca Afonso que a mim mais me toca. Dou voltas e voltas e acho-o sempre adequado aos tempos que correm. E só por mim já correram, bem medidas, três décadas “em quem um homem se põe a pensar”

  2. phileas

    Um dos mais belos poemas do Zeca. Recordo-o com muita emoção. Lembro-me de noites, há muito tempo atrás, em que se ouvia às escondidadas.

  3. Zaratustra

    Coimbra é assim: uma eterna saudade.
    Talvez seja pela luz que os nossos olhos captam em determinada idade…
    Mas tal como nós, também a cidade envelhece e a revigorá-la só há as catadupas de jovens que por aqui passam cheios de ilusão e daqui saem para o desemprego certo ou para brilhar noutra galáxia. Porque em Coimbra só há lugar para dois estratos sociais: a elite e a ralé. Pelo meio vão resistindo alguns lunáticos e sonhadores…

  4. Maré

    Ai Catarina! Coimbra e Zeca são assim como o mar e areia, não é? Terra minha também e como por lá me vi ainda em banhos no Mondego a trautear… Um post que me tocou muito! Beijinho

  5. catarina

    Para mim, Maré, é tal qual assim, Coimbra e Zeca Afonso. Como diz o Zara, uma eterna saudade…e sim, Paulo e Phileas, quanto a mim, um dos poemas que mais me toca também. Beijinhos e bem haja.