50 anos
Passadas umas semanas, aqui segue o balanço provável, ainda a quente, que é como se devem tomar estes comprimidos difíceis de engolir e se servem as melhores vinganças.
Fazer 50 anos não custa nada, é tudo igual, dizem-me, quem por lá passou antes de mim. Obviamente é tudo igual, uma pessoa não envelhece de um dia para o outro, demora uma carrada de anos, neste caso concreto, cinquenta, mas sempre me pareceu coisa meio merdosa de auto-ajuda, misto de pensamento construtivo e avestruzice, a ver vamos, quando lá chegar, mas um bocado desconfiada e com razão. Não custa nada fazer 50 anos, dizem-nos, como quem diz que não custa nada ter um filho ou arrancar um dente, essas frases que só consolam enquanto não se está toda estraçalhada a berrar por mais morfina e a mandar para o real caralho toda a gente carregada de boas intenções e falta de realismo.
Lamento informar mas não é nada disso: fazer 50 anos é uma grandessíssima merda e quem não pensa assim ou pensou quando lá passou, só posso concluir que já lá estaria antes, muito anos antes de os fazer e teria todo um tempo extra de velhice nos trinta e quarenta para se ir preparando com antecedência.
Fazer 50 anos é deixar de ter 40, para começar. Uma pessoa demora aí uns quinze anos a habituar-se a estar nos quarentas e, quando está quase perfeitamente confortável e a achar que é excelente, passaram dez num instante e trau, leva-se com a porra da idade nos cornos, com todo o peso que isso acarreta. É provável que isto não se aplique a homens, a verdade é que os filhos da mãe envelhecem com imenso charme, ficam mais giros com cabelos brancos e rugas, os cabrões, é uma coisa muito injusta e provavelmente explicável por uma qualquer teoria de darwinismo misógino, talvez a memória colectiva feminina do tipo da caverna com mais capacidade de sobrevivência e um visa com um plafond razoável para calhaus e lanças de madeira e nós, gajas, somos muito sensíveis a memórias genéticas e outras merdas hormonais.
Adiante. O que se aplica às mulheres é que o universo não está preparado para mulheres de 50 anos no início do século XXI, porque essas nasceram no século passado. As miúdas de agora não vão sofrer nada disto, mas nós, quando éramos miúdas, 50 anos tinham as nossas avós e já usavam plix. É toda uma educação que aponta para o suposto de uma senhora de meia idade, cabelos curtos pintados de lilás, sapatos sensatos e atitude posta por ordem. Claro que agora já não é assim, mas era assim há 40 anos e as memórias de infância não se evaporam e ficam incrustadas no disco limpinho que era o cérebro dessa época, até porque, com o avançar da idade, nos lembramos melhor dessas coisas do que aquilo que almoçámos ontem, não é?
O universo não tem muita paciência para levar com alterações de fundo e nós também não queremos mudar o mundo aos 50 anos, aborrece e dá trabalho; daí ser uma grande maçada ultrapassar o trauma psicológico daquilo que nos puxa para sermos como aquilo que apreendemos cedo que seria suposto e aquilo que realmente somos, que é basicamente as mesmas miúdas, um bocadito mais velhas e com mais propensão para séries de gajas, estrelas nos hotéis e os efeitos da lei da gravidade.
Fazer 50 anos é, volto a dizer, uma grandessíssima merda. É daquelas coisas que acontece a todos, como queimaduras no fogão, avarias no carro ou mau sexo, que se aguenta com alguma dose de vernáculo e pensando que da próxima correrá melhor. Vá lá que, felizmente, neste caso concreto, só acontece uma vez na vida. E ultrapassa-se, claro, agarrando o universo por um braço, olhando-o de frente e explicando muito direitinho que, se não quer levar um biqueiro nas convenções, é melhor aprender rapidamente que não é assim que se fode gajas como nós.
- New Order
- Timelines paralelas
Estás mesmo como o vinho do Porto, querida! Cada vez, melhor!
Obrigada, amiga
Um excelente texto com o qual não concordo nada… Mas aos 56 perde-se um pouco a vontade de defender pontos de vista. É uma das coisas boas (para nós e para outrém dos 50 ).
Provavelmente daqui a um tempo, também não vou concordar nada
Catarina, notável texto.
Os quase 74 a que estou quase a chegar podem dizer-lhe que não desisti de nada.
Não é fácil aceitar incapacidades físicas ( vale a minha bengala que é tão gira, mas tão gira), aceitar que “não estamos tal e qual”, que não é mais o tempo de “ter a sopa ao lume, uma máquina a lavar, um texto a escrever ou uma aula para preparar”). Não é fácil. Mas é assim.
Desistir é que não.
Dizer sempre o verbo “existir”. No presente. Na primeira pessoa.
E quando alguém o disser no passado e na terceira pessoa, talvez lhe junte o advérbio “sempre” e o adjetivo “teimosa”.
Mas nunca “morta”.
Julgo que viver é isto.
Um grande abraço, Catarina.
Agradeço-lhe o seu texto.
Continue.
Só hoje te vim visitar e ao ler o título até me arrepiei: só de pensar que daqui a 2 anos (se estiver vivo) escreverei uma posta intitulada “50 anos”…
Apesar de tardios aqui te dou os meus parabéns.
Vítor.