100nada

Uma coisa qualquer, pode ser areia

Quando se avança às cegas pelo deserto e a areia vai sendo aquecida pelo sol e se descobre que não se traz sapatos através do que se sente na sola dos pés, os grãos a deslizarem na pele, alguns presos nos dedos, pisa-se cada vez mais levemente, mas o calor não desaparece.
À medida que o dia e o sol avançam, a areia deixa a tepidez, passa a cada vez mais quente.
Sabe-se que (eventualmente) vai queimar os pés. Sabe-se que vão aparecer bolhas.
Sabe-se que será uma tarde muito demorada.
Sabe-se que (eventualmente) chegará uma altura em que a dor irá ultrapassar tudo e que o entendimento e a razão e a vida resumir-se-ão a dois pés queimados, esquecido tudo o resto.

Mas, mesmo sabendo tudo isso, se se ficar imóvel, no mesmo sítio, a areia ali também vai aquecer da mesma forma.

0 thoughts on “Uma coisa qualquer, pode ser areia

  1. duende

    Porque realmente se sabe que os poderemos banhar e aliviar a dor em alguma (eventual) água de oásis. Só não se sabe é se teremos razão nessa certeza de saber.

  2. catarina

    sabemos que há (eventualmente) um oásis? Acho que não passa de uma muito pálida esperança…a razão de caminhar é de se saber que a imobilidade, essa queima de certeza absoluta.